quarta-feira, 21 de março de 2012

Nossa Herança Política III - Leonel Brizola

21/03/2012 - Quarta-feira, 16:57

Por Dacy Ribeiro(complilado por Euclides Lopes)

         Brizola, estudante de engenharia, ingressou no recém-fundado Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, em agosto de 1945, para apoiar a política social de Getúlio Vargas. Era um universitário atípico, uma vez que a maioria de seus colegas eram comunistas ou udenistas. Provavelmente porque ele vinha de uma dura vida – infância pobre, trabalhando para estudar – que o identificava com a classe trabalhadora. Atípico, também, porque, já alcançando êxito naquela idade, não aderia aos ideais das elites e até se orgulhava de sua origem popular.
         Ainda estudante, Brizola foi eleito Deputado Estadual e se fez uma das principais vozes da classe trabalhadora na Assembléia Constituinte do Estado do Rio Grande do Sul. Seu casamento, em 1950, com Dona Neuza, irmã de Jango, o aproximou de Getúlio, que aliás foi o padrinho da cerimônia. Assim é que, quando Getúlio saiu na sua memorável campanha eleitoral pelo Brasil adentro, levou consigo, como assessores, a Jango, Brochado da Rocha, e a Brizola, que eram chamados o “Jardim-de-Infância” do Presidente.
         Getúlio foi eleito e trouxe Jango para o Rio como seu Ministro do Trabalho. Brizola, reeleito Deputado Estadual, tornou-se logo depois, Secretário de Obras, tendo aí seu primeiro cargo de governo. Manteve-se porém, sempre em contato com Jango e com Getúlio. Participou ativamente nessa época da campanha “O Petróleo é Nosso”. É de recordar-se aqui que foi Brizola quem levou a Getúlio Vargas a mensagem de apoio do 3º Exército, quando alastrou-se o movimento sedicioso que resultou no seu suicídio.
         Em 1955, Brizola se elegeu Prefeito de Porto Alegre, cidade em que fora jardineiro. Inaugurou aí a primeira administração voltada para o atendimento prioritário aos bairros operários, a melhoria do transporte público, o saneamento e a criação de escolas municipais. Suas qualidades de administrador e sua identificação com interesses populares começavam a configurar então seu perfil de um político de novo tipo, com enorme talento de comunicador, pela rádio e pela imprensa, através do linguajar expressivo dos trabalhadores gaúchos.
         Essas características singulares permitiram a Brizola, aos 33 anos, disputar e ganhar o governo do Rio Grande do Sul por maioria absoluta de votos. Como Governador Brizola encarnou o nacionalismo e o trabalhismo de Vargas, bem como um vivo interesse pelo desenvolvimento industrial do Rio Grande do Sul, marginalizado, como o Nordeste, pela política de JK, que privilegiava escandalosamente a São Paulo. Travou, então a batalha de enorme repercussão nacional pela encampação de poderosíssimas empresas norte-americanas que, monopolizando a produção e distribuição de energia elétrica e o serviço de telefones, condenavam o estado ao atraso, por seu caráter espoliativo e por sua incapacidade de crescer e modernizar-se.
         Brizola inovou então o trabalhismo, solidarizando-se com o movimento dos camponeses gaúchos sem terra e pregando a necessidade de uma reforma agrária que democratizasse o acesso à propriedade da terra, monopolizada pelos latifundiários. Começou a ganhar, assim, um prestígio nacional que cresceria assinaladamente nos anos seguintes. Foi nessa quadra que conheci Brizola e passei a observar e admirar sua clareza de visão sobre os problemas brasileiros e sua ousadia para enfrentá-los, sem paralelo entre os políticos brasileiros.
         Em 1961, Brizola, ainda no governo do Rio Grande do Sul, liderou dois movimentos de enorme repercussão nacional. Primeiro, o apoio ao Presidente Jânio Quadros, para reassumir o governo de que renunciara, pressionado, segundo dizia, “por forças ocultas”. Depois, para uma campanha nacional de apoio à posse do Vice-Presidente eleito, João Goulart, na Presidência da República, vetada pelos ministros militares, com apoio dos politicões da direita. O veto só foi derrubado quando Brizola deixou claro que iria à luta armada para fazer respeitar a Constituição. Só consentiram na posse de João Goulart, impondo-lhes freios, quando o Congresso decretou irregularmente a implantação do regime parlamentarista. Jango aceitou a restrição, contando derrubá-la depois, através de um plebiscito, tal como sucedeu. Brizola se opôs, deixando claro que, a seu juízo, Jango devia apelar para as armas na defesa de seus direitos constitucionais.
         No curso dessas lutas, Brizola cresceu e se afirmou como principal líder brasileiro de esquerda. Como tal, convocou as forças progressistas a se unirem a ele, numa Frente Nacional de Libertação, para as lutas anti-imperialistas de combate à espoliação estrangeira e ao latifúndio improdutivo. Tal era então seu prestígio que, mantendo-se no governo do Rio Grande do Sul, se candidatou a Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, alcançando a maior votação registrada na história brasileira.
         No Parlamento, Brizola se tornou o líder das esquerdas e o principal coordenador do grupo de pressão sobre Jango na consecução das reformas de base, principalmente a reforma agrária, que a seu ver devia ser feita “na lei ou na marra”. Articulou a Frente de Mobilização Popular, integrada pela Frente Parlamentar Nacionalista, pela UNE e pela CGT, e apoiada pelas principais lideranças de esquerda, inclusive por Prestes, Arraes e Julião. Surgiu, assim, o que Santiago Dantas chamou de “esquerda negativa”, para contrastar a combatividade das forças lideradas por Brizola, com o caráter persuasório do movimento que apoiava o Presidente João Goulart na sua política de reformas.
         Desde então, as forças progressistas se bipartiram. De um lado, o governo lutava pelas reformas fundamentais que considerava possíveis, e que eram vistas pela direita como tão avançadas que a unificavam e lançavam no golpismo contra-revolucionário. Do outro lado, Brizola utilizava intensa e vivamente o rádio e percorria todo o Brasil em pregações, mobilizando o povo para forçar as reformas estruturais. Simultaneamente, organizava seus seguidores às células comunistas, estruturando-os em seus locais de moradia e de trabalho para o ativismo político radical.
         Nesse ambiente é que se desencadeou o golpe militar de 1964. Jango o enfrentou pelo diálogo, negociando com os chefes militares, mas negando-se a dar ordem de combate contra as forças sublevadas. Brizola articulou no Rio Grande do Sul um movimento de resistência armada, ao lado do general Ladario, Comandante do 3º Exército. Jango desembarcou em Porto Alegre a 2 de abril, desautorizando a resistência armada. Optou pelo exílio no Uruguai, onde Brizola, eu e muitíssimos companheiros fomos compelidos a nos exilar, também.
         No exílio, Brizola prosseguiu no esforço de organizar a luta armada contra a ditadura militar. Acreditava ele, como muitos mais, naqueles anos de entusiasmo pela figura de Che Guevara, que era possível repetir a façanha cubana. Mas a ditadura se consolidou, tornando cada vez mais inviável aquela estratégia de lutas. Acabamos confinados, por pressão da ditadura brasileira sobre o governo uruguaio. Eu, em Montevidéu, lecionando na universidade mas proibido de sair do país, Brizola, enclausurado numa praia inóspita. Daí sairia para residir numa pequena fazenda que comprou no interior do país, onde viveria vários anos.
         Mesmo isolado na campana uruguaia, tão grande era seu prestígio político e tão decisiva continuava sua influência sobre as eleições do Rio Grande do Sul que, em setembro de 1977, a ditadura militar obrigou os governantes uruguaios a decretarem a expulsão de Brizola, dando-lhe o prazo de cinco dias para sair do país. Era seu segundo exílio e todos esperávamos que ele fosse viver na Venezuela ou em Portugal. Surpreendentemente, Brizola, que era tido como principal adversário político norte-americano na América do Sul, procurou a embaixada dos Estados Unidos, solicitou e alcançou o apoio do Presidente Carter – enquanto defensor dos direitos humanos – na qualidade de dissidente político perseguido pelo militarismo brasileiro.
         A partir desse novo pouso, Brizola voltou a crescer. Agora, como um dos principais líderes latino-americanos. É nessa condição que se transladou para Lisboa, aproximou-se da Internacional Socialista através do patrocínio de Mário Soares, sendo recebido na qualidade de eminente estadista por diversos governantes europeus, tais como Mitterand, Olav Palm e Willy Brandt.
         Em julho de 1978, Brizola realizou em Lisboa um encontro de trabalhistas e socialistas brasileiros com o propósito de fazer renascer o PTB, com uma plataforma socialista-democrática. Um ano depois, reuniu-se em Lisboa um grande número de trabalhistas do Brasil e do exílio para concretizar aquele projeto. Foi aprovada, então, a Carta de Lisboa, com os princípios programáticos que deveriam reger o novo PTB, assentados na representação popular, no pluripartidarismo, no nacionalismo getuliano, no sindicalismo moderno e no desenvolvimento capitalista, orientado pelo Estado.
         Promulgada a anistia, Brizola retornou ao Brasil em setembro de 1979. Dedicou-se à reorganização do PTB, no que foi obstado por Golbery, o ideólogo da ditadura, que fez entregar a sigla a um grupo de aventureiros, em cujas mãos ela se converteu em legenda de aluguel, patronal, submissa ao governo e controlada por banqueiros. Recuperando-se rapidamente desse novo golpe do regime militar, Brizola criou o Partido Democrático Trabalhista – PDT. Em sua liderança retomou a militância política, cercado pelos velhos companheiros do trabalhismo e do nacionalismo de Vargas, do reformismo de Jango, que, sob sua condução, transcende para o socialismo democrático, integrado já na Internacional Socialista, da qual Brizola foi eleito Vice-Presidente.
         No mês de novembro daquele ano, sentado a seu lado no jantar final de congratulação dos participantes do Congresso da Internacional Socialista, realizado em Madri, vi Brizola ser saudado como um futuro chefe de estado. Constatei ali, uma vez mais, o imenso poderio do carisma de Brizola, que vira exercer-se tantas vezes no Brasil. Carisma é a qualidade daquele líder distinguível entre todos, como se tivesse uma estrela na testa. Os gregos antigos o definiam como aquele que ao entrar no templo enche o templo.
         Na luta política brasileira, Brizola destacou-se como o principal adversário do governo militar em declínio, com tão grande apoio popular que foi eleito Governador do Rio de Janeiro. É o único caso em nossa história em que um político, já tendo sido governador, consegue eleger-se por um outro estado. Anos depois, vi Brizola escolher se queria reeleger-se pelo Rio Grande do Sul ou pelo Rio de Janeiro, tão evidente era o desejo do eleitorado dos dois estados de reconduzi-lo ao seu governo.
         Estive ao lado de Brizola nos dois governos que ele exerceu no Rio de Janeiro. No primeiro, como Vice-Governador, no segundo, como Senador. Em ambos, como coordenador de seu programa educacional. Fizemos juntos muitas coisas recordáveis. A mais importante delas foi reinventar a escola primária brasileira na forma dos Centros Integrados de Educação Pública – CIEP’s. Admiráveis por sua arquitetura, devida a Oscar Niemeyer, e muito mais pela revolução educacional que representam, como escola de tempo integral para professores e alunos; como centros de capacitação de seu próprio magistério, através de cursos, de estudos e de treinamento em serviço nas artes de educar; como produtor de variado material didático de excelente qualidade e ainda como oficina de elaboração de cursos audiovisuais, através de televídeos e de programas de informática educativa. Aos CIEP’s acrescentamos outra inovação, que é o Ginásio Público, onde os alunos egressados dos CIEP’s prosseguem os estudos de 6ª a 8ª séries primárias e de todo o curso de nível médio, recebendo educação da mais alta qualidade. Nossa invenção mais desafiante, porém, é a Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF, estruturada nas bases do MIT, como uma universidade-laboratório destinada a integrar o Brasil na civilização do 3º milênio.
         Todos esses feitos, de que me orgulho muito, não são criações minhas, mesmo porque eles apenas concretizam ideais antigos dos principais educadores brasileiros, encabeçados por Anísio Teixeira. O que os tornou viáveis foi o fato de eu poder contar, para concretizá-los, com o primeiro estadista da educação que o Brasil conheceu: Leonel Brizola. Como Prefeito de Porto Alegre e como Governador do Rio Grande do Sul, Brizola já revelara uma paixão pela educação, que, aprofundada nos seus longos anos de vivência no exílio, pôde florescer no Rio de Janeiro. Com efeito, Brizola é o primeiro governante brasileiro a compreender em toda a sua profundidade a inexcedível importância do problema educacional, cuja solução é requisito indispensável para que o Brasil progrida.
         Concluindo essas apreciações, devo assinalar que nós, militantes do PDT, somos os herdeiros da ideologia e da experiência de ação governamental dos três estadistas mais lúcidos, destemidos e fecundos que o Brasil conheceu: Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. Como se vê, nós viemos de longe, trazendo nos braços gloriosas bandeiras de luta, grandes vitórias e terríveis frustrações.
         Fomos nós que fizemos a Revolução de 1930 para modernizar o Brasil. Legalizando as lutas trabalhistas, através de sindicatos e da promulgação das principais leis, ainda vigentes, de garantia dos direitos dos assalariados. Criando o Ministério da Educação e da Saúde e a primeira universidade brasileira. Assentando as bases da industrialização do Brasil, com a criação da Companhia Vale do Rio Doce, da Companhia Siderúrgica Nacional, da Petrobrás, da Eletrobrás e de numerosas outras empresas estatais. Tudo isso provocou tanta raiva nos reacionários, que nos custou o suicídio do nosso líder maior, Getúlio Vargas.
         Fomos nós que assumimos de forma mais funda a responsabilidade de superar o atraso e a pobreza da população brasileira, espoliada desde sempre por uma classe dominante, infecunda e estéril. O fizemos através da Reforma Agrária e da lei de controle da espoliação estrangeira, propugnadas pelo Presidente João Goulart. Também elas provocaram tamanha reação na velha classe de descendentes de senhores de escravos e de vassalos servis do capital estrangeiro, que seu governo foi derrubado e o Presidente e seus associados sofreram atrozes perseguições e amargaram anos de exílio, em que muitos morreram.
         Somos nós que encarnamos, hoje, essa luta, sob a liderança de Leonel Brizola. Ele ressurge, depois de 15 anos de exílio e 40 anos de difamação, como o líder que vem passar nossa institucionalidade a limpo, a fim de que o Brasil floresça, afinal, como a pátria livre de um povo civilizado, próspero e feliz.
         Deus salve o Brasil!
De Darcy Ribeiro, compilado por Euclides Lopes.

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