02/04/2012 - Segunda-feira, 19:29
Pedro Porfírio - Rio(RJ)
Comparação de duas leis mostra indulgência com grandes conglomeradose pressão sobre os cidadãos
"POEMEU EFEMÉRICO
Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril"
Millôr Fernandes
Porque é primeiro de abril, passei em revista toda essa mentirada que reina o ano inteiro. A pujança da hipocrisia quase me abateu. Toda a vida parece sob a nefasta influência de uma corrida embalada pelas falsidades e pela teatralização do comportamento. Daí, aliás, o sucesso do que chamam de shows da realidade.
Poderia falar de tudo, mas preferi avaliar a simulação de certas leis, cuja eficácia varia de acordo com os alvos. Escolhi duas: o Código do Consumidor, de 11 de setembro de 1990, praticamente caducou.
Hoje, há violências acentuadas contra os direitos do consumidor, que, por sua vez, faz um vôo cego nos ares do consumismo, motivado por todo tipo de truques de um sistema em que cada um quer ter o que é oferecido, mesmo que eventualmente não esteja ao seu alcance.
A Lei 8078/90 foi sancionada quando não se comprava pela internet , quando a relação dos vendedores não era blindada pelos "calls centers", quando o cartão de crédito não era enviado automaticamente aos correntistas dos bancos, quando construtoras não deitavam e rolavam na propaganda enganosa dos seus empreendimentos, quando não havia essa febre de telefones celulares, quando os bancos não se serviam de expedientes estranhos na relação com seus clientes e quando o caos na prestação dos serviços públicos não tinha virado rotina, levando ao desespero multidões de usuários de trens, metrôs, barcas, sem falar nos custos astronômicos da luz, da água, do gás e das mensalidades escolares.
Decorridos 22 anos que, nesse caso valem por um século, o Código quase nada mudou. E quando sofreu alguma emenda esta teve efeito simbólico. Hoje, as empresas são obrigadas a atender ao telefone em 4 minutos, mas isso elas resolvem com gravações e não há nada mais dramático do que tentar resolver qualquer coisa com uma concessionária de celulares sem ter que ir na sua loja.
Não se mexe nesse Código porque isso significaria alcançar poderosos interesses não apenas dos varejistas, que têm na internet as suas maiores lojas, empregando pouca mão de obra. Há interesses "sagrados" pela fartura de propinas que prostram as autoridades, determinando inclusive as políticas de transportes públicos, suas prioridades, ou alimentando a farra das construtoras, que não se limitam a ganhar dinheiro na venda de imóveis: através de artifícios, continuam explorando os compradores dos, com o controle dos condomínios, e para os quais deixam muitas vezes bombas de efeito retardado.
Em compensação, a Lei Seca, de junho de 2008, Já está sendo objeto de uma outra lei, tornando-a ainda mais rígida, embora não se possa dizer que a aplicação dessa Lei tenha produzido os resultados esperados, como afirmou em reportagem divulgada no seu terceiro aniversário.
"Apesar do número de apreensões e atuações ter aumentado com a implantação da Lei Seca há exatos três anos, no dia 19 de junho de 2008, o número de mortes e acidentes não seguiu a mesma tendência em oito das maiores capitais brasileiras, segundo levantamento feito pela reportagem do portal Terra. O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de países recordistas em acidentes de trânsito, com 38 mil mortes por ano, atrás de nações como a Índia, China, EUA e Rússia".
Por que essa diferença de tratamento? Neste caso, a Lei Seca se aplica sobre cada cidadão e vem dando muito Ibope, pegando de vez em quando uma celebridade. Ouso comparar: se os objetos da punição fossem poderosos conglomerados econômicos, essa Lei iria devagar, quase parando, no limite dos seus efeitos espetaculosos.
Espero que você acompanhe o meu raciocínio que bem poderia se aplicar a outras situações, como no caso do Imposto de Renda, onde a pessoa física não tem escapadela da tributação, enquanto grandes empresas, inclusive bancos, sempre encontram fórmulas contábeis que reduzem suas obrigações com o fisco.
A hipocrisia das leis é o tema do nosso encontro no You Tube. Com minhas palavras, espero deixar um ponto de reflexão e oferecer uma contribuição para que retomemos um posicionamento consciente em relação aos nossos direitos, entre os quais um dos mais espezinhados é o direito do comprador, seja de um eletrônico, ou de sua casa própria.
"Se você agir sempre com dignidade, pode não melhorar o mundo, mas uma coisa é certa: haverá na Terra um canalha a menos".
Millôr Fernandes
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