terça-feira, 3 de abril de 2012

A IDEOLOGIA ALEMÃ I - por Euclides Lopes

03/04/2012 - Terça-feira, 19:22


Karl Marx e Friedrich Engels

Prefácio

       
Até agora, os homens formaram sempre idéias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo que são ou deveriam ser. Organizaram as suas relações mútuas em função das representações de Deus, do homem normal, etc., que aceitavam estes produtos do seu cérebro acabaram por os dominar; apesar de criadores, inclinaram-se perante as suas próprias criações. Libertemo-los, portanto das quimeras, das idéias, dos dogmas, dos seres imaginários cujo jugo os faz degenerar. Revoltemo-nos contra o império dessas idéias. Ensinemos os homens a substituir essas ilusões por pensamentos que correspondam à essência do homem, afirma um; a ter perante elas uma atitude crítica, afirma outro; a tirá-las da cabeça, diz um terceiro – e a realidade existente desaparecerá.

        Estes sonhos inocentes e pueris formam o núcleo da filosofia atual dos Jovens Hegelianos; e, na Alemanha, são não só acolhidas pelo público com um misto de respeito e pavor como ainda apresentadas pelos próprios heróis filosóficos com a solene convicção de que tais idéias, de uma virulência criminosa, constituem para o mundo um perigo revolucionário. O primeiro volume desta obra propõe-se desmascarar estas ovelhas que se julgam lobos e que são tomadas como lobos mostrando que os seus balidos apenas repetem numa linguagem filosófica as representações dos burgueses alemães e que as suas fanfarronadas se limitam a refletir a pobreza lastimosa da realidade alemã; propõe-se ridicularizar e desacreditar esse combate filosófico contra as sombras da realidade que tanto agrada à sonolência sonhadora do povo alemão.

        Em tempos, houve quem pensasse que os homens se afogavam apenas por acreditarem na idéia da gravidade. Se tirassem esta idéia da cabeça, declarando, por exemplo, que não era mais do que uma representação religiosa, supersticiosa, ficariam imediatamente livres de qualquer perigo de afogamento. Durante toda a sua vida, o homem que assim pensou viu-se obrigado a lutar contra todas as estatísticas que demonstram repetidamente as conseqüências perniciosas de uma tal ilusão. Este homem constituía um exemplo vivo dos atuais filósofos revolucionários alemães.

        Nenhuma diferença específica distingue o idealismo alemão da ideologia de todos os outros povos. Esta última considera igualmente que o mundo é dominado por idéias, que estas e os conceitos são princípios determinantes, que o mistério do mundo material, apenas acessível aos filósofos, é constituído por determinadas idéias.

        Hegel levou ao máximo o idealismo positivo. Para ele, o mundo material não se limitara a metamorfosear-se num mundo de idéias e a história numa história de idéias. Hegel não se contenta com o registro dos fatos do pensamento; procura também analisar o ato de produção.

        Quando são obrigados a sair do seu mundo de sonhos, os filósofos alemães protestam contra o mundo das idéias que é a representação do mundo real, físico.

        Todos os críticos alemães afirmam que as idéias, representações e conceitos dominaram e determinaram até agora os homens reais e que o mundo real é um produto do mundo das idéias. Todos pensam que assim aconteceu até agora, mas que a situação se vai modificar; e é aqui que se diferenciam entre si, pois têm opiniões diferentes sobre a forma como se deve libertar o mundo dos homens, o qual, segundo eles, gemeria sob o peso das suas próprias idéias fixas, e sobre aquilo que cada um considera como idéia fixa. Mas todos acreditam no domínio das idéias e julgam que o seu raciocínio provocará necessariamente a queda do estado de coisas existente, quer pelo simples poder do seu pensamento individual quer por tentarem conquistar a consciência de todos.

        A crença de que o mundo real é o produto do mundo ideal, de que o mundo das idéias.

        Alucinados pelo mundo hegeliano das idéias, que se tornou o deles, os filósofos alemães protestam contra o domínio dos pensamentos, idéias e representações que até agora, no seu parecer, ou melhor, de acordo com a ilusão de Hegel, deram origem ao mundo real, o determinaram, ou dominaram. Exaltam um último protesto e sucumbem.

        No sistema de Hegel, as idéias, pensamentos e conceitos produziram, determinaram e dominaram a vida real dos homens, o seu mundo material, as suas relações reais. Os seus discípulos revoltados assenhorearam-se deste postulado.

Oposição entre a concepção materialista e a idealista


Introdução


        De acordo com certos ideólogos alemães, a Alemanha teria sido nestes últimos anos o teatro de uma revolução sem precedentes. O processo de decomposição do sistema hegeliano, iniciado com Strauss teria dado origem a uma fermentação universal para a qual teriam sido arrastadas todas as potências do passado. Nesse caos universal, formaram-se impérios poderosos que depois sofreram uma derrocada imponente, surgiram heróis efêmeros mais tarde derrubados por rivais audazes e mais poderosos. Perante uma tal revolução, a Revolução francesa não foi mais do que uma brincadeira de crianças e os combates dos diádocos parecem-nos mesquinhos. Os princípios foram substituídos, os heróis do pensamento derrubaram-se uns aos outros: de 1842 a 1845, o solo alemão foi mais revolvido do que nos três séculos anteriores.

         Strauss -David Friedrich Strauss (1808-1874), filósofo alemão.

        DiádocosGenerais de Alexandre da Macedônia que, após a sua morte, se entregaram a uma luta encarniçada a fim de atingirem o poder.

        E tudo isto se teria passado nos domínios do pensamento puro.


        O mundo exterior profano não se apercebeu evidentemente de nada; nenhum destes acontecimentos que revolucionaram o mundo conseguiu exceder os limites de um processo de decomposição do espírito absoluto.

        Trata-se, com efeito, de um acontecimento interessante: o processo de decomposição do espírito absoluto.
       
        O crítico, esse ordenador de casamentos e funerais, não poderia naturalmente estar ausente; de fato, enquanto resíduos das grandes guerras de libertação.

        Depois de se extinguir a sua última centelha de vida, os diversos elementos deste caput mortuum entraram em decomposição, formaram novas combinações e constituíram novas substâncias. Os industriais da filosofia, que até então viviam da exploração do espírito absoluto, ocuparam-se imediatamente dessas novas combinações, procurando com todo o zelo fazer render a parte que lhes coubera. Mas também aqui havia concorrência. No início, esta foi praticada de uma forma bastante séria e burguesa; mais tarde, quando o mercado alemão ficou saturado e se verificou ser impossível, apesar de todos os esforços, escoar a mercadoria no mercado mundial, o negócio foi viciado, como é habitual na Alemanha, por uma produção inferior, pela alteração da qualidade, pela adulteração da matéria-prima, a falsificação dos rótulos, as vendas fictícias, os cheques sem cobertura e a instauração de um sistema de crédito sem qualquer base concreta. Esta concorrência deu origem a uma luta encarniçada que nos é agora apresentada e enaltecida como uma revolução histórica que teria conseguido prodigiosos resultados e conquistas.

        Caput mortuumnesse caso resíduo

Mas para ter uma idéia justa desta charlatanice filosófica que desperta no coração do honesto burguês alemão um agradável sentimento nacional, para dar uma idéia concreta da mesquinhez, da pequenez provinciana de todo este movimento jovem-hegeliano, e especialmente de todo o contraste trágico-cómico entre aquilo que estes heróis realmente fazem e o que julgam fazer, é necessário examinar todo este espetáculo de um ponto de vista exterior à Alemanha.

        Pequenez nacional.

        É por essa razão que faremos preceder a crítica individual dos diversos representantes deste movimento de algumas anotações gerais (as quais bastarão para caracterizar o nosso ponto de vista crítico e fundamentá-lo tanto quanto necessário. Se opomos estas anotações a Feuerbach, é por ser ele o único a constituir um efetivo progresso, o único cujas obras podem ser estudadas de bonne fide, tais anotações esclarecerão os pressupostos ideológicos que lhes são comuns.

        Bonne fide – boa-fé.

Essa parte compilada por Euclides Lopes.

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