quinta-feira, 24 de maio de 2012

CRÔNICA SEMANAL LITERÁRIA - Sylvio Passos - Recordação - A Lição do Xopotó

24/05/2012 - Quinta-feira


A Lição do Xopotó

Professor Sylvio Passos

Os rios se parecem com os homens. Como os homens, há também rios ricos e rios pobres, Rios ilustres, nobres, importantes e rios obscuros, medíocres ignorados.

O rio Danúbio, por exemplo, é um rio nobre, aristocrático, romântico, cujas águas carregam a doce poesia das valsas vienenses...

O rio Volga é misterioso, como a alma eslava, sombrio como o tristonho canto dos barqueiros, que remam e cantam ao compasso das suas águas...

O rio Nilo, o Jordão e o rio Ganges são rios sagrados, rios místicos. Nas suas águas milenárias os crentes lavam a alma do lodo do pecado.

Há rios tenebrosos, cujos nomes recordam a tristeza e o sofrimento: Rio das Mortes, Rio das Velhas, Rio Negro, Rio dos Sinos...

Os rios são como os homens. Cada um tem a sua história, quase sempre mesclada de verdades e mentiras, de lendas e tradições. E, como os homens, os rios também têm os seus sonhos e suas ilusões.

Vocês não acreditam?

Pois assim aconteceu, por exemplo, há muitos anos, com o rio que corta a nossa cidade.

O nosso Xopotó, este Xopotozinho mofino, de águas barrentas e minguadas – como vocês conhecem – sonhou, certa vez, que havia de ser importante na vida. E, na madrugada de 26 de outubro de 1932, de uma hora para outra, o nosso Xopotó começou a crescer... e foi crescendo... crescendo... Saiu do seu pequeno leito e começou a invadir os quintais e a se enfiar pelas casas. E passou a carregar mesas, cadeiras, pilões, panelas, galinhas, porcos, cavalos, cercas, bananeiras, e mais uma porção de coisas que vinham boiando, boiando no meio das águas barrentas, amareladas, espumantes e ameaçadoras.

O Xopotó, engrossado pela enxurrada das serras do Barroso e de Santa Maria, ficou bravo!... Derrubou pontes e pinguelas. Alagou ruas e praças e inundou casas e mais casas. O seu nome foi para os jornais. O telégrafo mandava notícias dele para longe.  E ele foi comentado, foi fotografado. Ficara importante. Então? Ia ou não ia passar à categoria dos grandes. Do Amazonas, do Mississipi, do Congo e de outros grandes rios da Geografia e da História?!

Porém... coitadinho do nosso pobre Xopotó! O seu sonho foi efêmero... Suas águas, dentro em pouco, começaram a descer, a diminuir, a minguar... e,  em breve tempo, ele voltou à sua humildade condição de riozinho pobre, mesquinho, de águas minguadas e barrentas...

Seu sonho de glórias dera apenas em confusão e lameira... Hoje, por incrível que pareça, até as galinhas já botaram ovo sobre as águas do nosso Xopotó!...
Aprendamos - meus amigos – aprendamos com os rios e os homens, com os homens e os rios que se parecem tanto.

Nem tudo se vai por água abaixo neste mundo... Para quem tem olhos de ver – como gostava de dizer o nosso arguto Padre Vieira – para quem tem olhos de ver, até das enchentes, até das enxurradas se pode tirar lições para a velha arte de viver...

Enchente de 1932.  Praça Correa Dias, Ponte da Água Limpa e início da Av. São João Batista.


(Matéria cedida por gentileza do Sr. Newton Dias Passos, residente em Brasília-DF-Brasil, filho do autor desta crônica)

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