quarta-feira, 9 de maio de 2012

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Declaração Universal dos Direitos Humanos

09/05/2012 - Quarta-feira



Este novo  “Sistema de Segurança Humana”

II





Duas conferencias internacionais , em 1968, em Teerã, e em 1993, em Viena , dão dois impulsos significativos à questão dos Direitos Humanos. O primeiro, conceitual, que assegurou um nível de adesão à defesa dos direitos humanos por quase 200 países; o segundo, institucional , garantindo a criação do ALTO COMISSARIADO dos direitos humanos na ONU e apontando para a criação do TRIBUNAL INTERNACIONAL DE CRIMES CONTRA A HUMANIDADE , hoje em pleno funcionamento em Roma, como um verdadeiro Poder Judiciário Internacional, cujo o projeto básico foi objeto de uma conferencia internacional, em junho de 1998 , em Roma. Rigorosamente, qualquer pessoa, atingida em seus direitos fundamentais, pode recorrer a este Tribunal em busca de justiça. Já estão em curso, inclusive, com o Tribunal de Roma , diversos processos sobre áreas objeto de ações capituladas como crimes contra a humanidade . 

Com isto, direitos humanos deixou de ser uma bandeira de abnegados e passou a se constituir numa verdadeira Agenda para o século XXI , a qual se inclina toda a comunidade internacional .
 Três princípios consagram o avanço conceitual no campo dos Direitos Humanos:

1 - indivisibilidade dos direitos civis , políticos, econômicos , sociais e culturais; 

2 - universalidade na sua observância; 

3 - indissociabilidade entre democracia , desenvolvimento e defesa dos direitos humanos . 

Rigorosamente, pois, não se pode, senão para fins pedagógicos ou de reconstituição de seu processo histórico, separar os direitos humanos em suas dimensões civis, políticas e sociais. Contemporaneamente, eles constituem um todo indivisível. Tampouco se pode limitar sua observância, que se impõe, hoje, em escala universal. E não se pode dissociar respeito aos direitos humanos do Estado de Direito democrático e do
Desenvolvimento. 

Claro que a conquista deste patamar a um tempo teórico, a um tempo político e a um tempo jurídico, não se deu sem outros avanços na Teoria do Estado e do próprio trânsito de um liberalismo de princípios, do começo da Era Moderna, para um “liberalismo democrático” ancorado na valorização ao indivíduo, ao qual aderiu a “docilização” das esquerdas ocidentais , ao longo do século XX. Na prática, foi o tema dos “direitos humanos” que provocou um deslocamento da velha direita para à esquerda, enquanto a esquerda “enragé”, do começo do século, se deslocava para o centro. E, exatamente por isto, as diferenças ideológicas, tão acentuadas a princípio, foram como que se esvanecendo com o tempo. Tal como no II Império no Brasil, poder-se-ia dizer que “nada se parece tanto com um conservador como um liberal no governo”. Exagero ou não, a defesa dos direitos humanos opera como um fator de correção aos excessos do radicalismo nas pugnas políticas contemporâneas. 

Importante passo para a compreensão do deslocamento da ênfase do Pacto Fundamental da Sociedade do Estado para o Indivíduo e da importância do individualismo como categoria fundamental dos “direitos humanos” foi a contribuição de Norberto Bobbio, em seu clássico “ A Era dos Direitos”, de 1992. Ele demonstra como o Estado Moderno, ao contrário da era de Hobbes, sobrevive graças ao que chama “revolução coperniquiana” que fez com que , mais do que “deveres” frente ao Estado, os indivíduos detenham “direitos”.

“A concepção individualista custou a abrir caminho, já que foi geralmente considerada fomentadora de desunião, de discórdia, de ruptura da ordem constituída. Em Hobbes, surpreende o contraste entre o ponto de partida individualista (no estado de natureza há somente indivíduos sem ligações recíprocas, cada qual fechado em sua própria esfera de interesses e em contradição com os interesses de todos os outros) e a persistente figuração do Estado como um corpo ampliado, um “homem artificial”, no qual o soberano é a alma, os magistrados são as articulações, as penas e os prêmios são os nervos etc. A concepção orgânica é tão persistente que, ainda nas vésperas da Revolução Francesa, que proclama os direitos do indivíduo diante do Estado Edmundo Burke escreve:  ‘ Os indivíduos passam como sombras, mas o Estado é fixo e estável’. E , depois da Revolução, no período da Restauração, Lamennais acusa o individualismo de ‘destruir a verdadeira idéia da obediência e do dever, destruindo com isso o poder e o direito’. E, depois, pergunta: ‘E o que resta , então, senão uma terrível confusão de interesses, paixões e opiniões diversas’.
 Precisamente partindo de Locke, pode-se compreender como a doutrina dos direitos naturais pressupõe uma concepção individualista da sociedade e, portanto, do Estado, continuamente combatida pela bem mais sólida e antiga concepção organicista, segundo a qual a sociedade é um todo, e o todo está acima das partes. A concepção individualista custou a abrir caminho, já que foi geralmente considerada fomentadora de desunião, de discórdia, de ruptura da ordem constituída. Em Hobbes, surpreende o contraste entre o ponto de partida individualista (no estado de natureza há somente indivíduos sem ligações recíprocas, cada qual fechado em sua própria esfera de interesses e em contradição com os interesses de todos os outros) e a persistente figuração do Estado como um corpo ampliado, um ‘homem artificial’, no qual o soberano é a alma, os magistrados são as articulações, as penas e os prêmios são os nervos, etc. A concepção orgânica é tão persistente que, ainda nas vésperas da Revolução Francesa, que proclama os direitos do indivíduo diante do Estado Edmundo Burke escreve:
´Os indivíduos passam como sombras, mas o Estado é fixo e estável’. E , depois da Revolução, no período da Restauração, Lamennais acusa o individualismo de ‘destruir a verdadeira idéia da obediência e do dever, destruindo com isso o poder e o direito’. E, depois pergunta: ‘ E o que resta , então, senão uma terrível confusão de interesses, paixões e opiniões diversas?’

Estado e sociedade, doravante, deverão empenhar-se na reorganização de seus sistema político, econômico e cultural , com vistas ao fortalecimento do processo de legitimação, via construção de uma cidadania universal cada vez mais participativa , de um crescimento cada vez mais eqüitativo e uma autonomia cada vez mais tolerante, fundada na educação para o decidir , fazer conviver e ser. Esse último requisito é o que se denomina “tolerância”.
No ano de 1993 a Assembléia Geral da ONU decidiu, também, que, 1995 , quando se comemorasse seu cinqüentenário, seria o “Ano da Tolerância”. A escolha do nome “tolerância” era um reconhecimento de que a organização ainda estava longe de alcançar os objetivos para os quais havia sido criada, a saber, a paz mundial. Muitos dos conflitos internacionais visíveis em 1993 tinham caráter religioso ou étnico que apontavam para uma mudança profunda no sistema educacional para uma sociedade moderna e democrática. Conferiu-se, então, à Unesco, a responsabilidade de discutir o tema-conceito da “tolerância” de forma a propor sugestões para o futuro. Como resultado, a Conferência Geral da Unesco , em 16 de novembro de 1995, aprovou a Declaração Mundial de Princípios sobre a Tolerância, que se constitui num marco para a construção da democracia como um sistema de respeito aos Direitos Humanos. Desde então celebra-se, com o apoio da Unesco e na rede escolas a ela associadas, a data de 16 de novembro como Dia da Tolerância, no qual se procura difundir esta Carta e avaliar os avanços de uma educação voltada para a paz, tal como frisa seu Art 1º: 
“A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres humanos. É fomentada pelo conhecimento, abertura do espírito, a comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é harmonia na  diferença. Não só é um dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade política e de justiça. A tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz”

Como afirma uma estudiosa do tema e com assento em Conselhos da Unesco, Rosely Fischmann:
“A declaração trata do papel do Estado, da educação, da sociedade, dos meios de comunicação. Apresenta-se, sempre, de maneira central, a perspectiva  do pleno respeito aos direitos universais e às liberdades fundamentais de todos, como base da construção da paz. Voltando-se para a temática dos riscos da intolerância, a declaração afirma, no artigo 4º, que ‘a educação para a tolerância deve visar a contrariar as influências que levam ao medo e à ex exclusão do outro e deve ajudar os jovens a desenvolver sua capacidade de exercer um juízo autônomo de realizar uma reflexão crítica e de raciocinar em termos éticos’.

As repercussões de atitudes de respeito ao outro ocorrem nos campos político, social, cultural e econômico. É interessante observar que o prólogo da
Declaração Universal dos Diretos Humanos articula a imperiosa necessidade de livrar o ser humano do medo, ou da opressão, e da miséria. Ou seja, quando se fala em pleno respeito aos direitos de cada um e de todo ser humano, eliminar o medo é crucial para garantir que não se pratica a violência como forma de defesa contra alguém que se teme, porque nem se sabe quem é. O sentido de educar para a tolerância e de praticar a tolerância está também aí: conhecer o outro, todos os outros, que vivem de forma distinta daquela que conhecemos. Apenas o conhecimento pode levar à superação do medo que gera preconceito e discriminação. Por isso, o sentido da tolerância é o da valorização da diversidade humana e o da busca de viver com o outro de forma respeitosa, saudável , pautando a resolução de problemas e desacordos pela via do diálogo”.

Leia na próxima Edição: (amanhã, quarta-feira, 09)

  
Este novo  “Sistema de Segurança Humana”, em escala mundial, é a conseqüência natural da democracia como valor universal, fundado ontologicamente na liberdade. É verdade que o século XX foi palco de algumas ilusões totalitárias como o fascismo , o socialismo-real(stalinismo) e alguns regimes fundamentalistas islâmicos. Há pouco, em
2009, a China comemorou seus sessenta anos da revolução comunista, sem fazer nenhuma concessão à questão dos direitos humanos internamente. A tragédia da Praça Celestial, em 1989, que implicou num número ainda incerto de jovens estudantes é uma sombra que pairará durante anos sobre a cabeça dos líderes chineses. A América Latina foi também palco de sangrentas ditaduras militares nas décadas de 60 e 70. Lamentavelmente, o autoritarismo ainda é uma tentação que se converte, não raro, em realidade, às vezes duradoura, sempre à espreita. Mas, irremediavelmente, transitória.
 Isaac Deutscher, grande historiador do socialismo no Século passado, morreu impressionado com a longa duração do regime soviético. Não viu seu fim. Mas até este regime, herdeiro de uma grande revolução social (1917), descambou para o autoritarismo tentando, em vão, legitimar-se pela força de argumentos persuasivos como o imperativo da “ditadura do proletariado”. Mas não resistiu. Mais cedo ou mais tarde o autoritarismo capitula diante do imperativo moral , funcional, sistêmico da liberdade .
Liberdade não apenas para construir o processo amplo de representação nas instâncias de poder formal, mas também e  -  cada vez mais-  para desconstituí-lo, quando se faz necessário. Daí a grande importância dos regimes parlamentaristas sobre os presidencialistas, os quais, gradualmente, acabam se identificando com as velhas monarquias absolutistas pelo abuso que fazem do princípio do mandato representativo. .
Daí porque Hayeck , liberal insuspeito, assinalar : 
“Ao governo que pode ser desconstituído, chamo democracia”
 Claro que a bandeira dos Direitos Humanos não é uma panacéia para todos os males do século atual. Mas se atentarmos para os desafios que temos pela frente : salvação do planeta, eliminação da miséria e da ignorância, reconstrução da política como elo de ligação legitimadora da sociedade com o Estado , criação de um espaço público transparente com a desmontagem de todos os fatores que condicionam a alienação, a falsa consciência e a insuficiência do pensar no exercício da cidadania , o fim da intolerância em todos os campos da vida humana, temos, aí, uma estratégia global da atuação política de grande envergadura, jamais vista. Ressalte-se que a questão dos direitos humanos está associada aos próprios requisitos do desenvolvimento sustentável, este conceito abrangente que hoje, consagrada pela Eco-92, no Rio de Janeiro, procura um novo caminho para a humanidade. O conceito de sustentabilidade repousa sobre três requisitos:

1 – Eficiência econômica;

2 – Equidade;

3 – Reciclagem dos recursos naturais

A eficiência só será alcançada através do uso de tecnologias propiciadas pela ciência e tecnologia; a renovação dos recursos naturais só será possível através de uma nova consciência sobre o reaproveitamento de tudo o que é usado no processo industrial; e a equidade, através da capacidade redistributiva do desenvolvimento assegurar uma sociedade mais justa. E nessa equidade reside a garantia de que os direitos humanos serão respeitados em todo seu espectro de indivisibilidade , indissolubilidade e abrangência dos seus elementos civis, políticos e sócio-econômicos constitutivos. O conceito de sustentabilidade é, pois, precisamente , o elo que faltava à cadeia conceitual da articulação indissolúvel entre direitos civis, políticos e sociais.

Diante de tão vastas responsabilidades diante das tarefas exigidas pelo respeito aos Direitos Humanos levantam-se, então, dúvidas sobre a efetiva capacidade dos Estados desincumbirem-se, adequadamente, desta missão, sobretudo no tocante aos direitos sociais e econômicos. 

III
 
Leia na próxima Edição: 

DIREITOS SOCIAIS: IMPERATIVO ÉTICO OU RAZÃO CONSENSUAL

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