31/05/2012 - Quinta-feira
Um velho servidor
(crônica de Sylvio Passos)
Há mais de meio século que o velho relógio da Matriz preside a vida da cidade. Marca as horas alegres, as horas tristes e as horas neutras de nosso povo. Aliás, como já disse alguém e com razão: “As horas batem igualmente para todos e soam diferentemente para cada um de nós”.
As doze horas do meio dia, por exemplo, que marcam para centenas de estudantes a entrada das aulas são, ao mesmo tempo, reticências sonoras no romance sentimental de muitos casaizinhos amorosos. Aquelas pancadas separam as julietas, que vão para as aulas, de seus romeus de calças Lee, blusões coloridos e costeletas de alfanje...
Para outros, meio dia é a hora da partida do ônibus. Alguém que vai... alguém que fica... Ligados pela estrada, traço de união da saudade... Para aquele doente, é a hora do remédio: de mais uma colher de esperança... Para o presidiário, é mais uma hora cinzenta, na monotonia cinzenta de seus dias.
Mostrador de relógio é como paleta de pintor: pontos coloridos marcando gamas diversas, que exprimem diferentes aspectos da existência.
O nosso velho relógio da Matriz, pobre Big Ben provinciano, há mais de meio século preside a vida da cidade. Como todo velho, tem lá também os seus caprichos, as suas manhas, as suas rabujices coisas de velho.
Bate, às vezes, onze horas, quando o sol ainda está nascendo. Outras vezes, martela nove horas ao anoitecer. Ou embirra e não bate nada, quando todo o mundo aguarda seu aviso para iniciar o trabalho. Aí, então, chamam-no de doido... maluco...biruta...
Não é nada disso, porém. O que o velho sente é apenas falta de carinho, falta de atenção, pouco caso...
Basta, porém, que tratem dele, que lhe dêem atenção, que lhe dêem corda, e ele volta a cumprir o seu ofício, como um bom funcionário público que recebe seu pagamento em dia...
Meus amigos: relógio também tem alma. Relógio também embirra, como gente. Relógio, como os seres humanos, também gosta de carinho... E, como os seres humanos, quando lhe dão corda nunca é indiferente à vida que passa...
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