terça-feira, 29 de maio de 2012

CRÔNICA SEMANAL LITERÁRIA - Sylvio Passos - Recordação - A Festa de Inauguração do Jardim Municipal

 29/05/2012 - Terça-feira
Professor Sylvio Passos no estúdio da Rádio Cultura Rio Branco

Jardim da Praça 28 de Setembro. Imagem: Isah Baptista.



A Festa de Inauguração do Jardim Municipal

Crônica Semanal nº 224, lida pelo autor, Professor Sylvio Passos, ao microfone da Rádio Cultura Rio Branco, em 16 de outubro de 1955, e publicada posteriormente no jornal “Visconde do Rio Branco”.

Amanhã faz 46 anos que foi inaugurado o Jardim Municipal de nossa cidade. De fato, foi em 17 de outubro de 1909 que, entre grandes festas, realizou-se a solenidade de inauguração do principal logradouro de nossa terra, denominado atualmente de “Parque Municipal Peixoto Filho”.
Convido vocês, amigos ouvintes da Rádio Cultura, que acompanham semanalmente a nossa crônica, a fazer uma viagem ao passado. Nas ondas sonoras desta valsa que estamos ouvindo, viajando em um imaginário túnel do tempo - coisa que anda tão em moda hoje em dia - vamos nos locomover até aqueles dias já distantes da história do nosso Rio Branco...
Estamos, pois, em outubro de 1909. Rio Branco é, ainda, uma cidade de ruas barrentas, iluminadas por lampiões de querosene. A Igreja Matriz ainda está em construção. Grandes andaimes cercam as grossas paredes e colunas, que sustentarão uma bela torre, onde um grande sino e um relógio vão marcar a vida da Cidade por décadas...
As missas de domingo são rezadas pelo Vigário Padre Antônio Raimundo, lá na capelinha da Água Limpa, ao lado do solar do Dr. Lucas Lacerda, que é um dos três médicos da cidade... Dos outros dois, sabemos que o Dr. Correia Dias é incansável batalhador, que vive falando aos quatro ventos e a todo o mundo sobre a necessidade de se construir um hospital em Rio Branco. O outro médico, o Dr. Carlos Soares de Moura, dedica-se de corpo e alma à política, buscando sempre trazer melhoramentos e benfeitorias para a cidade, sendo o chefe do partido apelidado de “Jagunços”. Sonha com a criação de um grupo escolar para a Cidade. O outro político de destaque local é o deputado Carlinhos Peixoto Filho, chefe dos “canelas lisas”, como apelidou o povo. O Juiz de Direito da Comarca é o Dr. Adelgício Cabral e o Presidente da Câmara é o Dr. Eugênio de Melo
Entre as figuras importantes, presentes à solenidade de inauguração do Jardim, observamos altas patentes que dariam para formar um verdadeiro “exército rio-branquense”. Ali vemos, em uma animada conversa, o Major Veríssimo Lage, o Capitão Adeodato de Almeida, O Tenente Teodolindo Soares, o Coronel Cassiano Mesquita, o Tenente Silvino Reis, o Major Leôncio Câmara, o Major Firmino Pinto, o Capitão Luiz Fernandes Braga, o Major Belmiro Augusto, o Capitão Artur Monteiro, o Major Carlos de Melo e tantos outros. A maioria dos presentes é de grandes fazendeiros, pois grande parte da população ainda vive na zona rural, mas várias famílias têm também casa na Cidade.
A grande novidade na política nacional, que todos comentam, alguns com efusivos elogios e outros com crítica velada, é a candidatura do intelectual Rui Barbosa à Presidência da República, ele que recentemente se destacou em termos internacionais na famosa conferência de Haia, na Holanda. Mas as conversas adquirem um tom mais provinciano, notando-se a satisfação de todos em compartilhar esse momento tão esperado pelo povo rio-branquense: a inauguração de seu parque municipal, cujo traçado é de grande beleza. Esta Praça 28 de Setembro, por certo, será ponto de encontro de muitas gerações de cidadãos.
Há uma cerca de fios de arame em volta de todo o Jardim e um portão de réguas de madeira bem em frente à Matriz em construção, perto do alto cruzeiro de madeira que se eleva em pleno adro da Igreja.
Até recentemente, o local onde hoje está sendo inaugurado o magnífico Jardim Municipal era um grande matagal que servia de pastagem para animais. Somente algumas trilhas davam acesso ao prédio da Câmara Municipal, ao Fórum e ao local onde está sendo construída a Matriz. Aqui, também, era o ponto de parada das numerosas charretes e carros de bois que traziam as famílias residentes na zona rural, local onde se colocavam os animais para descansar, beber água e se alimentar, enquanto as pessoas iam às compras nos poucos estabelecimentos comerciais da cidade. Segundo informa o Presidente da Câmara Eugênio de Melo, a Praça e o Jardim Municipal serão muito bem cuidados pela municipalidade e será cobrada multa a quem desrespeitar as regras de manutenção do  parque.    
As árvores do novo jardim ainda estão pequenas. As maiores ainda não ultrapassam a estatura de um homem. Foram, recentemente, plantadas pelas mãos calosas e diligentes do jardineiro Seu Câmara, que cuida amorosamente de suas árvores como se fossem suas próprias filhas.  
O local está todo enfeitado de cordões de bandeirolas multicores, o que dá um ar festivo à praça principal da cidade. As ruas estão cheias de gente que veio assistir à festa. Famílias inteiras vieram alegres participar do acontecimento. Muitos meninos vestem garbosamente suas roupinhas de marinheiro enquanto as meninas trajam vestidos finamente bordados, com enormes laços de fita na cintura e nos cabelos ostentam chapéus ou fitas coloridas. As mocinhas divertem-se fagueiras com as amigas, olhando de longe os rapazes que lhes fazem a corte. Muitas aproveitam a distração de seus pais, em animada conversa, para troca de olhares, entrega de bilhetes e um rápido namoro com os galantes rapazes.
Há uma porção de gente rodeando o quiosque azul de seu João Evangelista, instalado junto ao Jardim, quase na esquina da rua que vai para a Praça da Estação. As pessoas estão ali comprando cocadas e pés-de-moleque para as senhoras e crianças enquanto os homens tomam um aperitivo.
No coreto, recentemente construído, já estão os músicos que vão abrilhantar a festa, no meio de uma porção de senhores de fraque, cartolinhas, chapéus-côco e alguns de paletó escuro de alpaca e calças brancas. As senhoras e moças usam vestidos compridos até o chão e cabelos penteados em coques. Numerosa multidão se espalha entre as alamedas floridas onde se destacam canteiros de petúnias, amores-perfeitos, bocas-de-lobos, e outras flores viçosas.  
As pessoas observam que o cuidadoso jardineiro, Seu Câmara, escreveu, com grama e flores de cores variadas, palavras de homenagem ao atual Presidente da Câmara Eugênio de Melo e ao Coronel Canedo. Por que mesmo a homenagem ao Coronel? Ah!... É porque ele, quando ocupou anteriormente o cargo de chefe do executivo municipal, custeou as primeiras despesas com a construção do jardim com dinheiro de seu próprio bolso.
Nos grupos que se formam aqui e ali, as pessoas elogiam a beleza da planta do jardim, oferta do Dr. Miguel Calmon, ex-ministro da Viação durante o governo Afonso Pena, o qual, por ser grande amigo do Deputado Carlos Peixoto Filho, assim presenteou a cidade. Fazem referência, também, ao cuidado com que os engenheiros Drs. Gregório de Miranda Pinto e Elias dos Reis zelaram pela rigorosa observância do projeto do Jardim.
Um dos presentes se gaba, numa roda de amigos, de uma grande novidade que enche os demais de inveja: imaginem que ele andou de automóvel em sua recente viagem ao Rio de Janeiro!...  Outro diz orgulhosamente que já conversou ao telefone e aproveita a ocasião para explicar aos demais como funciona essa novidade que ainda vai demorar muito a chegar à Cidade...
Após ouvirem todos alguns números musicais executados pelas bandas de música, faz-se silêncio e é iniciada a solenidade. É dada a palavra ao grande orador, o Vigário Padre Antônio Raimundo, que faz um longo e erudito discurso, em que enaltece a beleza das flores e dos jardins com que Deus engalanou a natureza; cita versos de Cassimiro de Abreu e de Olavo Bilac, faz alusões a Lineu, a Kepler e a outros famosos nomes da ciência e das artes, como Leonardo da Vinci, Rafael, Miguel Ângelo e esclarece que, em todo o mundo civilizado, as árvores e as flores são cultivadas com carinho e com respeito porque não são apenas ornamentos, mas prestam incalculáveis benefícios à Humanidade, purificando a atmosfera e amenizando o clima.
“... Não penseis, senhores – lá está dizendo o Padre Raimundo - não penseis que os jardins que, nas grandes metrópoles e opulentas cidades desafiam a admiração, constituem um tema banal de vaidade ou ostentação de um luxo estólido. Não!... Assim como lá nas regiões do éter cada letra do alfabeto que Deus gravou na tela azul do firmamento tem seu destino e suas leis imutáveis, também na terra as florestas, os bosques e as flores, outras tantas estrofes da epopéia divina, obedecem ao império das leis da utilidade para higiene do Homem. Não foi em vão, senhores, que a Divina Onipotência criou tão variadas plantas que se dobram graciosas a misteres importantes!...”
E prossegue o Padre Raimundo em seu discurso que é uma verdadeira conferência. Calorosa e prolongada salva de palmas coroa as palavras finais do orador.
As bandas de música da cidade continuam sua retreta, espalhando pelos ares acordes maravilhosos que se prolongam por muito tempo. Os presentes ouvem a “Filarmônica Carlos Gomes”, sob a regência do Maestro Tenente Teodolindo Soares e a “Comércio e Arte”, regida pelo Maestro Elias Costa. A bela retreta musical vem coroar esse dia memorável da história rio-branquense.
Agora, amigos, tomemos de volta o nosso imaginário túnel do tempo para o presente e vejamos o quanto o nosso Rio Branco evoluiu nesses quase cinqüenta anos!... Nossa Praça 28 de Setembro, com suas majestosas palmeiras imperiais, tem sido cenário de grandes festividades, de manifestações religiosas e cívicas, de desfiles militares e estudantis.  À sombra dessas árvores, quantas crianças têm brincado, quantas juras de amor têm sido trocadas por alegres pombinhos apaixonados, quantas confabulações políticas têm sido feitas!... E em todos esses tempos, nossa praça tem sido sempre um local de paz e de lazer, para onde nos dirigimos quase diariamente. É nela que pensam nossos conterrâneos que se vão para outras paragens a viver suas vidas, quando sentem o doce perfume da saudade.
Agora que conhecemos melhor mais um capítulo da história de nossa terra, desfrutemos, pois, ainda mais, as delícias de nosso parque municipal, ponto de encontro preferido de todos nós rio-branquenses. 




(Matéria cedida por gentileza do Sr. Newton Dias Passos, residente em Brasília-DF,  e filho do autor desta crônica)   

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