21/05/2012 - Segunda-feira
Newton Dias Passos
Praça 28 de Setembro(antiga). Destaques: Sobrado do Sr. João de Brito(Papelaria Império), Padaria do Acácio Mota e Aeroclube. (Primeira metade do Século XX). Imagem: Isah Baptista
Papelaria Império - Década de 30 do Século XX. Imagem: Clara de Brito
1.
Aos
Brito:
Agosto, mês do desgosto!... Certo? Não, errado!!!...
O carteiro, que aqui em Brasília a gente conhece e até sabe o nome, me traz uma carta que desmente isto. Leio com atenção e mergulho em um mundo de emoção e de saudade...
Onde estou? No Rio Branco, claro!!! Que me trouxe esta carta assim de tão importante, que me desliga da realidade e me leva ao mundo dos sonhos e das recordações...?...
Então, os Brito estão planejando um encontro para celebrar o centenário dos saudosos pais, seu João de Brito e Dona Nieta! Que coisa mais linda celebrar um centenário!...Não importa se eles já se foram. Eles estão aí, na boa semente que plantaram e tão bem souberam regar...É a celebração da vida! E que Vida!!!
Agora, eu sou de novo um menino de calça curta, que adora acompanhar o pai, professor respeitado de terno e gravata, claro! E aonde que nós estamos indo? À Papelaria Império, é claro... O gosto pelos livros veio cedo... Também pudera, tenho de onde puxar...É tradição...
- Bom dia, seu João de Brito! E como vai Dona Nieta? Recomende-me a ela. E os filhos, têm dado notícias? Todos estudando, não é mesmo? E como vai o nosso seminarista? Um grande abraço para ele, quando lhe escrever. Esmeralda sempre quer saber notícias dele. E Zilah também.
- Bom dia, meu jovem professor! Estão todos bem, cada qual nos seus estudos. Agradeço seu interesse.
- E então, seu João, o que temos de novidades neste “ Império dos Livros”? O menino quer escolher um livro de presente...
- Temos muita coisa para ele, Sylvio... E para você também...O menino sempre aí, a seu lado, não é mesmo? Este aí vai gostar de ler muito, estou vendo... Muito bem, meu filho, leia muito mesmo... É a leitura que nos ensina tudo... Ela nos transporta no tempo e no espaço e nos leva até onde queremos ir... Isto mesmo, menino, siga os caminhos de seu pai no gosto pelos livros...
E é essa a imagem que tenho do velho João de Brito. Aquela figura de homem manso, pacato, sério, sempre debruçado no trabalho, fazendo o que gosta em sua livraria. Figura de respeito, toda a cidade comentando sua erudição:
“O João de Brito é homem letrado... Da educação antiga... Estudou na Suíça...É homem de cultura...” Parece que estou vendo e ouvindo o mestre Gastão de Almeida falando com meu pai, numa roda de amigos, em que estavam também o Dr. Antônio Pinto, o sr. Orlando Costa, meu padrinho Camões e outros intelectuais da cidade... Eu, ali, pequeno, ouvindo (e me interessando) pela conversa de gente grande...
Foi a imagem que ficou. Aquele homem bom, de princípios indiscutíveis. Aquela figura humana, altamente respeitada na cidade pela retidão de seu caráter. Aquela Livraria e Papelaria Império – o império dos livros – que, para mim, tinha algo de mágico, de solene e de encantamento.
E aquele casarão bonito na Rua do Divino, cheio de gente alegre, pessoal moderno, com idéias avançadas, contrastando com a mansidão e a sisudez de seu João e Dona Nieta... “dia de luz, festa de sol e o barquinho a deslizar no azul do mar”... a Hermínia cantando, com seu tom de voz suave...É o efeito da cultura: todos os filhos aprenderam desde cedo a conhecer mais, a buscar mais, naquela insatisfação de que o que sabem ainda é pouco... Viveram, sonharam, sofreram, lutaram, por suas idéias e seus ideais. A semente floresceu, frutificou, se espalhou.
1968 veio bravo... Levou Dona Nieta e logo atrás se foi seu João... Frei Fernando quiseram calar... Foi só por uns tempos... As vozes dos que têm muito a dizer jamais se calam... “Vamos voltar a lutar contra as desigualdades e as injustiças... O país tem que mudar, precisa mudar”...
As antigas professoras, Dona Zilah e Dona Esmeralda choraram, rezaram, fizeram suas promessas e suas novenas. E escreveram... Cartas não chegavam até ele, mas as orações sim. Estas, ninguém podia impedir de chegar lá... Foi Dona Nina que pediu, e elas prontamente atenderam e se juntaram ao grupo de orações...
A Clara assumiu a Papelaria. Mas foi só por uns tempos. Rio Branco já não era mais a mesma. A família agora estava espalhada, o casarão já não existia mais, mas eles, os Brito, serão sempre os Brito,onde quer que estejam... E quando se juntam é sempre uma festa só. Seja em Rio Branco, seja em BH, ou onde for...
Hermínia vai para São Paulo: trabalhar e cantar, depois para Brasília, na ONU, trabalhando e cantando... Depois no mundo...Encontros e Despedidas...Vendedor de Sonhos e muitas mais...
O calor humano é o mesmo. A alegria volta. Mas a tristeza também volta... Maria Antônia, com sua alegria contagiante, grande foliona de memoráveis carnavais, se despede mais cedo... E deixa em todos um vazio, mas eles não se rendem...
Os filhos da Diva estão crescidos. E brilhando nos estudos, como a mãe (e como o pai, também, claro!). Têm de onde puxar...Ta no sangue...
A Clara é enfermeira. Cuida da Leila. Cuida da Celse. Cuida do Fabinho. Cuida de todos...É o espírito humanitário, herdado também. Quantas qualidades, gente!Olha só que sangue bom...
E a Lúcia, aquela simpatia de sempre, é a história da família Ferreira de Brito. Ao vivo e a cores. Em gênero, número e grau...Foi em bate papo com ela que conheci muitas histórias da família. Papo longo, agradável, descontraído, no dia em que o Fabinho lançou o livro “Oitenta Anos de Histórias”, depois quando a Hermínia cantou em Rio Branco, e depois em Brasília. Eu, que não participei da festa dos Brito quando moravam em Rio Branco, agora também participo. Que alegria, ser lembrado e convidado...
E aí estão eles de novo. Festejando. Celebrando. Celebram o amor, a vida, a união...Que bom ter tanta coisa boa para lembrar e comemorar...Que pena eu não poder estar aí hoje. Azar o meu...Seu João de Brito. Dona Nieta. Uma história de vida, uma lenda...
Também estou numa fase de saudosismo. Acho que é porque estou sentindo que a Mamãe está indo-se aos poucos. E o Papai já se foi há tanto tempo. Dos Passos, não sobrou ninguém dos antigos. Mas também sobrou muita história para contar. Para rir. Para chorar...Um dia, há muito tempo, também nos reunimos e comemoramos os Cem Anos da Vovó Edelvira. Rezamos missa na Matriz e fizemos festa dos tios e primos no Rio Branco Palace. Foi simples, mas foi bom. Não vieram todos... Pior prá quem não veio...
Hoje, na festa de vocês, eu acho que não vou. Se esta carta chegar aí antes é porque não fui, claro! Se puder, irei...Quem sabe?...Mas vou estar aqui, de longe, morrendo de tristeza por não ter ido. E de inveja, no bom sentido, claro!...
Mas que bom ter sido lembrado por vocês. E, assim, eu fiz uma pausa no meu corre-corre diário, mergulhei fundo nas minhas emoções e escrevi estas linhas para vocês. Com a saudade vazando por todos os poros... Saudade dos meus. Dos seus. Dos nossos... Afinal, Rio Branco é uma só família. Que se gosta, que briga, que ama, que sofre, que luta, Mas que adora ficar junta. Celebrar e comemorar...
Qualquer dia desses vai também um convite para vocês. Estou fazendo uma seleção das crônicas do meu pai. Separando as melhores, principalmente as que contam do nosso Rio Branco antigo. Lugares, festas, passeios, fatos curiosos, o nosso folclore, os tipos populares...Vamos fazer também uma reuniãozinha simples e gostosa para lançar um pequeno livro. Edição pequena, só para os amigos mais chegados. Pretexto para a gente se reunir, se ver. Relembrar. Pena que o livro não vai ser “rodado” nas oficinas gráficas da Papelaria Império...Mas conto com vocês. Pelo menos alguns de vocês.Vai ser bom.
Obrigado, amigos, pela gentileza do convite. E vamos celebrar a Vida!
Parabéns pelos pais que tiveram e por serem todos dignos da educação que deles receberam...
Com amizade,
Newton Dias Passos
Brasília, setembro/2002
Agosto, mês do desgosto!... Certo? Não, errado!!!...
O carteiro, que aqui em Brasília a gente conhece e até sabe o nome, me traz uma carta que desmente isto. Leio com atenção e mergulho em um mundo de emoção e de saudade...
Onde estou? No Rio Branco, claro!!! Que me trouxe esta carta assim de tão importante, que me desliga da realidade e me leva ao mundo dos sonhos e das recordações...?...
Então, os Brito estão planejando um encontro para celebrar o centenário dos saudosos pais, seu João de Brito e Dona Nieta! Que coisa mais linda celebrar um centenário!...Não importa se eles já se foram. Eles estão aí, na boa semente que plantaram e tão bem souberam regar...É a celebração da vida! E que Vida!!!
Agora, eu sou de novo um menino de calça curta, que adora acompanhar o pai, professor respeitado de terno e gravata, claro! E aonde que nós estamos indo? À Papelaria Império, é claro... O gosto pelos livros veio cedo... Também pudera, tenho de onde puxar...É tradição...
- Bom dia, seu João de Brito! E como vai Dona Nieta? Recomende-me a ela. E os filhos, têm dado notícias? Todos estudando, não é mesmo? E como vai o nosso seminarista? Um grande abraço para ele, quando lhe escrever. Esmeralda sempre quer saber notícias dele. E Zilah também.
- Bom dia, meu jovem professor! Estão todos bem, cada qual nos seus estudos. Agradeço seu interesse.
- E então, seu João, o que temos de novidades neste “ Império dos Livros”? O menino quer escolher um livro de presente...
- Temos muita coisa para ele, Sylvio... E para você também...O menino sempre aí, a seu lado, não é mesmo? Este aí vai gostar de ler muito, estou vendo... Muito bem, meu filho, leia muito mesmo... É a leitura que nos ensina tudo... Ela nos transporta no tempo e no espaço e nos leva até onde queremos ir... Isto mesmo, menino, siga os caminhos de seu pai no gosto pelos livros...
E é essa a imagem que tenho do velho João de Brito. Aquela figura de homem manso, pacato, sério, sempre debruçado no trabalho, fazendo o que gosta em sua livraria. Figura de respeito, toda a cidade comentando sua erudição:
“O João de Brito é homem letrado... Da educação antiga... Estudou na Suíça...É homem de cultura...” Parece que estou vendo e ouvindo o mestre Gastão de Almeida falando com meu pai, numa roda de amigos, em que estavam também o Dr. Antônio Pinto, o sr. Orlando Costa, meu padrinho Camões e outros intelectuais da cidade... Eu, ali, pequeno, ouvindo (e me interessando) pela conversa de gente grande...
Foi a imagem que ficou. Aquele homem bom, de princípios indiscutíveis. Aquela figura humana, altamente respeitada na cidade pela retidão de seu caráter. Aquela Livraria e Papelaria Império – o império dos livros – que, para mim, tinha algo de mágico, de solene e de encantamento.
E aquele casarão bonito na Rua do Divino, cheio de gente alegre, pessoal moderno, com idéias avançadas, contrastando com a mansidão e a sisudez de seu João e Dona Nieta... “dia de luz, festa de sol e o barquinho a deslizar no azul do mar”... a Hermínia cantando, com seu tom de voz suave...É o efeito da cultura: todos os filhos aprenderam desde cedo a conhecer mais, a buscar mais, naquela insatisfação de que o que sabem ainda é pouco... Viveram, sonharam, sofreram, lutaram, por suas idéias e seus ideais. A semente floresceu, frutificou, se espalhou.
1968 veio bravo... Levou Dona Nieta e logo atrás se foi seu João... Frei Fernando quiseram calar... Foi só por uns tempos... As vozes dos que têm muito a dizer jamais se calam... “Vamos voltar a lutar contra as desigualdades e as injustiças... O país tem que mudar, precisa mudar”...
As antigas professoras, Dona Zilah e Dona Esmeralda choraram, rezaram, fizeram suas promessas e suas novenas. E escreveram... Cartas não chegavam até ele, mas as orações sim. Estas, ninguém podia impedir de chegar lá... Foi Dona Nina que pediu, e elas prontamente atenderam e se juntaram ao grupo de orações...
A Clara assumiu a Papelaria. Mas foi só por uns tempos. Rio Branco já não era mais a mesma. A família agora estava espalhada, o casarão já não existia mais, mas eles, os Brito, serão sempre os Brito,onde quer que estejam... E quando se juntam é sempre uma festa só. Seja em Rio Branco, seja em BH, ou onde for...
Hermínia vai para São Paulo: trabalhar e cantar, depois para Brasília, na ONU, trabalhando e cantando... Depois no mundo...Encontros e Despedidas...Vendedor de Sonhos e muitas mais...
O calor humano é o mesmo. A alegria volta. Mas a tristeza também volta... Maria Antônia, com sua alegria contagiante, grande foliona de memoráveis carnavais, se despede mais cedo... E deixa em todos um vazio, mas eles não se rendem...
Os filhos da Diva estão crescidos. E brilhando nos estudos, como a mãe (e como o pai, também, claro!). Têm de onde puxar...Ta no sangue...
A Clara é enfermeira. Cuida da Leila. Cuida da Celse. Cuida do Fabinho. Cuida de todos...É o espírito humanitário, herdado também. Quantas qualidades, gente!Olha só que sangue bom...
E a Lúcia, aquela simpatia de sempre, é a história da família Ferreira de Brito. Ao vivo e a cores. Em gênero, número e grau...Foi em bate papo com ela que conheci muitas histórias da família. Papo longo, agradável, descontraído, no dia em que o Fabinho lançou o livro “Oitenta Anos de Histórias”, depois quando a Hermínia cantou em Rio Branco, e depois em Brasília. Eu, que não participei da festa dos Brito quando moravam em Rio Branco, agora também participo. Que alegria, ser lembrado e convidado...
E aí estão eles de novo. Festejando. Celebrando. Celebram o amor, a vida, a união...Que bom ter tanta coisa boa para lembrar e comemorar...Que pena eu não poder estar aí hoje. Azar o meu...Seu João de Brito. Dona Nieta. Uma história de vida, uma lenda...
Também estou numa fase de saudosismo. Acho que é porque estou sentindo que a Mamãe está indo-se aos poucos. E o Papai já se foi há tanto tempo. Dos Passos, não sobrou ninguém dos antigos. Mas também sobrou muita história para contar. Para rir. Para chorar...Um dia, há muito tempo, também nos reunimos e comemoramos os Cem Anos da Vovó Edelvira. Rezamos missa na Matriz e fizemos festa dos tios e primos no Rio Branco Palace. Foi simples, mas foi bom. Não vieram todos... Pior prá quem não veio...
Hoje, na festa de vocês, eu acho que não vou. Se esta carta chegar aí antes é porque não fui, claro! Se puder, irei...Quem sabe?...Mas vou estar aqui, de longe, morrendo de tristeza por não ter ido. E de inveja, no bom sentido, claro!...
Mas que bom ter sido lembrado por vocês. E, assim, eu fiz uma pausa no meu corre-corre diário, mergulhei fundo nas minhas emoções e escrevi estas linhas para vocês. Com a saudade vazando por todos os poros... Saudade dos meus. Dos seus. Dos nossos... Afinal, Rio Branco é uma só família. Que se gosta, que briga, que ama, que sofre, que luta, Mas que adora ficar junta. Celebrar e comemorar...
Qualquer dia desses vai também um convite para vocês. Estou fazendo uma seleção das crônicas do meu pai. Separando as melhores, principalmente as que contam do nosso Rio Branco antigo. Lugares, festas, passeios, fatos curiosos, o nosso folclore, os tipos populares...Vamos fazer também uma reuniãozinha simples e gostosa para lançar um pequeno livro. Edição pequena, só para os amigos mais chegados. Pretexto para a gente se reunir, se ver. Relembrar. Pena que o livro não vai ser “rodado” nas oficinas gráficas da Papelaria Império...Mas conto com vocês. Pelo menos alguns de vocês.Vai ser bom.
Obrigado, amigos, pela gentileza do convite. E vamos celebrar a Vida!
Parabéns pelos pais que tiveram e por serem todos dignos da educação que deles receberam...
Com amizade,
Newton Dias Passos
Brasília, setembro/2002
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