18/05/2012 - Sexta-feira
Recebidos por
William Stainton Moses
(A. Oxon)
Seção XV
(O argumento continuou quase sem pausa, com grande energia. Não posso lisonjear-me de poder dar uma idéia equivalente da poderosa influência de que me achava possuído e que parecia inspirar-me os pensamentos.)
Ensino religioso do espiritualismo
Perguntais se a tendência do nosso ensino é deísta, teísta ou mesmo ateísta. Quanta ignorância reina entre vós para que uma pessoa bem instruída envolva o teísmo com o ateísmo. Se dizeis que o nosso ensino demonstra não haver verdade absoluta, só podemos ficar reconhecidos por ter sido compreendido. Sem dúvida alguma, em vosso estado atual de imperfeição, nada se aproxima da verdade absoluta nem da perfeição absoluta. Não pretendeis certamente encarar sem incômodos mistérios que deslumbram as mais altas inteligências; não podeis esperar que o vosso espírito limitado possa compreender o Infinito e o Incompreensível, que, durante períodos imensos, nos manterão ainda prostrados em indizível admiração. Para vós a verdade deve ser variável, pois não podeis abrangê-la em seu conjunto, nem encará-la em suas minuciosas particularidades, visto aparecer-vos esboçada sob o véu que a encobre. Não pretendemos revelar-vos a verdade absoluta, pois nós mesmos ainda aspiramos a atingi-la. Ajudamos-vos nos limites permitidos, traçando em pálidos caracteres concepções menos distanciadas da verdade, do que as que passam entre vós por ser a revelação direta do Altíssimo.
Andamos bem desenvolvendo um sistema de teologia coerente, belo, elevado e que o vosso espírito acha aceitável. Não nos aventuramos a ir mais longe. Mostramos-vos um Deus que requer o respeito e a adoração; mostramos-vos sob um aspecto racional o vosso dever para com Ele, para com a Humanidade e para convosco mesmo; estabelecemos o nosso código moral, não sobre a consideração de um céu e de um inferno, tais como as vossas igrejas representam, mas por argumentos que podem penetrar com força no espírito.
Dizer que ensinamos uma religião sem motivo é, certamente, a mais estranha das falsas interpretações. Que de nada vale saber que cada ato desse momento – época das sementeiras da vossa vida – trará seu próprio fruto; que as faltas cometidas, de propósito deliberado, só serão apagadas à custa de longo e penoso labor; que o Espírito errante deve divisar na sombra confusa de seu incalculável passado o mal que perpetrou; pois palavras e ações são semelhantes ao pequeno seixo lançado na corrente, o qual produz um turbilhão sempre vasto, cujos efeitos aumentam sem cessar; sois responsável por esses efeitos; cada palavra, cada ato é de incalculável importância em seus resultados; o bem produzido por vossa influência é fonte de júbilo para o vosso futuro, ao passo que sofrereis com agonia as horríveis conseqüências do mal cometido por vós.
Nada vale quando vos dizemos que recompensa e castigo não são resgatados em um dia fabuloso, depois de um período de torpor quase mortal, mas são instantâneos, seguindo logo o pecado pela ação de uma lei invariável e agindo sem cessar até que a causa que o produziu tenha desaparecido.
Não é isso o incitamento a uma vida santificada e elevada moralmente? Dizei-nos: qual é a mais poderosa incitação a uma pura vida de progresso? O credo que pregamos ou o que ensina que um homem pode seguir seu capricho e prejudicar o próximo, insultar a Deus, aviltar o seu próprio ser, violar todas as leis divinas e humanas, ser uma vergonha para o nome de homem, podendo por um grito fanático, por uma fé inventada, por uma operação momentânea da vontade, ser julgado digno de entrar em um céu de sonho, onde, por mudança mágica, acharia a sua única felicidade em se ocupar sem tréguas do que detestava acima de tudo. Que crença poderá melhor comover o ser degradado? A que lhe ensina que ele deverá expiar por si próprio toda falta oculta ou conhecida, que não há alegria para ele antes que se torne um homem mais puro, mais verdadeiro e melhor, ou a que lhe afirma que depois de ter vivido sem obstáculo, pode, por um apelo maquinal, ser repentinamente transformado o seu espírito manchado e ser admitido já purificado à presença de Deus?
Sabemos, e sabeis também vós, qual é a fé que apela para a razão e para o julgamento do homem, fé que lhe descobre os urgentes motivos de evitar o pecado e lhe oferece os mais seguros meios de não se desviar do caminho reto. E entretanto nos exprobrais de pregar uma religião vaga em face de outra que afirma; um evangelho sem cor, em vez do que repousa sobre um sistema definido de recompensas e punições. Não, não. Somos os que pregamos um sistema claro, definido, inteligível, de recompensas e de castigos; não inventamos um céu de legenda, um inferno monstruoso e um Deus humano. Sois do número dos que dilatam a perder de vista a hora da retribuição, e incitam o mais vil dos seres a crer que ele pode comparecer à presença do Altíssimo, em qualquer lugar, em qualquer tempo, em qualquer modo, por haver declarado que não compreende, não crê, nem tem interesse.
Afirmamos alto e bom som que ensinamos uma fé mais apropriada a afastar do pecado, que qualquer das apresentadas até hoje à aceitação do homem. Ela lhe oferece esperanças racionais para o seu futuro e é mais real e mais compreensível que as outras. Essa fé, repetimo-lo, penetrará em vossa alma como revelação de Deus. Não esperamos e não desejamos que ela se torne corrente entre vós, antes que estejais mais bem preparados para recebê-la. Esperamos, orando pacientemente, o momento em que os homens, prontos a recebê-la, se lhe submetam com inteligente obediência.
Não hesitamos em dizer que o homem pecará menos, se não tiver a esperança de obter a salvação a baixo preço e em vista de um futuro mais bem compreendido. Não terá ele mais necessidade de tantas regras coercitivas e de penalidades humanas; a fonte dos motivos interiores não será menos eficaz e menos forte que a doutrina aviltante dos atrativos celestes e dos terrores infernais, que se reduz a pó, quando a examinamos seriamente.
(Em resposta à minha objeção de serem contudo más as conseqüências do espiritualismo para a massa geral dos seres, ou pelo menos só apresentarem uma vantagem muito contestável, escreveram em 10 de julho de 1873:)
Queremos mostrar-vos em que erros caístes. Seguis primeiramente o curso inseparável da vossa vista circunscrita, guiais-vos pelos resultados atraídos pela vossa atenção, em conseqüência do movimento total. É como se, assombrado pelo tumulto de uma pequena seita fanática, lhe atribuísseis uma grande força, sem vos inquietar do poder silencioso que trabalha nas profundezas e só aparece pelas suas obras, sem ter excitado clamores. Ouvis o ruído ensurdecedor de uma minoria indisciplinada e embaraçosa, e dizeis com razão que são os seus gritos que podem regenerar o mundo. Fostes contrariado e perguntais se o que vos parece tão repugnante pode, em verdade, proceder de Deus. Só uma parte vos é visível, e isso mesmo foscamente. Ignorais os silenciosos adeptos de uma fé que vem de Deus e lhes é revelada pelos processos mais bem apropriados às suas necessidades. Ocultos aos vossos olhos, ainda que eles existam ao redor de vós, esses fiéis comungam com as esferas, adquirem de hora em hora novos conhecimentos e novas graças, esperam ser emancipados por sua vez da prisão corpórea e se preparam a contribuir para a obra gloriosa.
Assim, pela obstrução ruidosa de uns e pelo silêncio dos outros, pela natureza limitada das vossas faculdades e pelas ocasiões ainda mais limitadas em que podeis observar, só vedes uma cena insulada e tomais uma partícula pelo todo, um membro, e o menos digno, pelo grande corpo. Estamos dispostos a examinar a vossa conclusão tendente a provar as conseqüências enfadonhas ou malévolas do espiritualismo para os que se ocupam dele; mas vos negamos a capacidade de pronunciar-vos sobre o conjunto dessa vasta questão e sobre seu êxito último.
Por conseguinte, qual é a verdade real? As operações do Supremo são uniformes em tudo e para tudo. O mal e o bem estão entremeados. Ele não empregava grandes operários para o trabalho que pode ser executado por Espíritos mais atrasados; não envia os Mestres gloriosos para fazer entrar a convicção em um ente não desenvolvido, ligado à Terra. Longe disso; proporciona as suas causas aos efeitos que devem produzir. Na marcha ordinária da natureza Ele não produz resultados insignificantes por causas gigantescas. Sucede do mesmo modo no domínio das incumbências espirituais. Aqueles que são grosseiros, sem aspiração desenvolvida, cujas almas não podem elevar-se aos cumes da grandeza moral e intelectiva, são entregues a Espíritos que sabem escolher a linguagem e os meios capazes de tocar essas inteligências atrasadas, empregando a maior parte das vezes processos materiais para os impressionar. Um desenvolvimento de força física, fácil de verificar pelo sentido externo, é necessário para convencer da existência ininterrupta do além-túmulo, não a algumas inteligências, mas a um grande número.
Esses Espíritos, pouco adiantados, recebem a demonstração, não pelas vozes inspiradas que em cada época dirigiram a alma do iniciador destinado a guiar essa época, mas por seres mais semelhantes a eles, conhecedores da sua atitude, necessidade e hábitos mentais. É preciso lembrar-vos, bom amigo, que uma intelectualidade máxima pode coexistir com um desenvolvimento moral mínimo; do mesmo modo, um ente progressista pode ser retardado pelo corpo que o contém ou rebaixado por uma imperfeita cultura mental. A voz do Espírito não penetra em todas as almas, a mesma prova não é suficiente para todos, sendo freqüente o caso em que as almas assim obstruídas, por uma superabundância material ou por uma insuficiência mental, realizam o seu progresso espiritual em uma esfera onde ele remedeia as suas faltas.
Por conseguinte, um movimento de varinha mágica não muda de repente os traços característicos da natureza inata; eles são lentamente modificados e purificados. Para o homem dotado já de elevadas faculdades intelectuais, que se aperfeiçoa por uma incessante cultura, parecem grosseiros os meios empregados para atingir os encarnados ignorantes, e os resultados tornam-se brutais e pouco satisfatórios. Esse método e esse zelo pouco discreto separam entretanto os seres que saem gradualmente de um sombrio materialismo ou de uma inércia ainda mais desesperadora; então a nova vida por eles entrevista os enche de entusiasmo e dão curso à sua alegria e a celebram por acentos ásperos, porém sinceros, que podem repugnar aos vossos ouvidos, mas são agradáveis a Deus. A voz é verdadeira, e por isso Ele e nós a atendemos.
Assim, os processos pelos quais se pode fazer penetrar a convicção, nas almas não desenvolvidas, não são os dos anjos intermediários entre Deus e o homem, pois não teriam bom êxito. As operações materiais conduzem o homem a refletir sobre as coisas espirituais. Estais familiarizado com essas operações, que não cessarão jamais de ser necessárias e serão para um grande número o começo da vida espiritual. Ninguém pode negar a sabedoria da adaptação dos meios aos fins. O único perigo é o de substituir o físico pelo espiritual e parar aí.
Enfim, tomemos o exemplo mais saliente, aquele que impressiona: o ser brutal, inculto, não desenvolvido. A voz que grita por Deus em tom áspero e que produz tais resultados será a voz do mal? Acreditais nisso? Já tratamos da questão do mal, mas voltaremos ainda a ela. Estamos longe de negar ou de tratar levianamente o perigo que nos ameaça e a vós outros, mas não é ele tal como o imaginais. O que é desregrado, inculto ou grosseiro não é necessariamente mau; longe disso, o mal está muitas vezes oculto onde não o supondes. Ele não cessará senão depois da queda dos adversários e da vitória completa. Essas almas, noviças na vida espiritual, que lutam na obscuridade, acabam por entrever uma existência de progressão infinita a desenrolar-se diante delas, reconhecendo que o seu progresso depende do desenvolvimento mental físico e espiritual, fácil de provocar durante a vida atual; elas começam a cuidar de seus corpos em vez de os gastar na embriaguez, conseguindo abstinência de bebidas embriagantes – hábito que os homens chegados a esse ponto desejariam impor a todo o mundo. As gradações lhes escapam e muitas vezes o zelo os guia indiscretamente. Mas o fanatismo exaltado, cujo ilogismo e exagerações ofendem o gosto, é pior espiritualmente que a estultícia dos ociosos, calcinados pela bebida, manchados de corpo, cujo progresso moral e espiritual está paralisado por uma intoxicação habitual. Sabeis que o fim do homem entusiasta é mais valoroso e vivaz, estimulado como é pelo que crê ser o seu dever; não mais vivendo sem esperança e sem objetivo, como se ressuscitasse do meio dos mortos, duma ressurreição a encher de alegria e de gratidão os anjos de Deus. Que importa que os seus gritos percam em lógica o que ganham em zelo e energia? A voz altiva e honesta, que proclama suas novas convicções, tem maior valor para nós e anima-nos melhor a redobrar de esforços do que a respeitabilidade convencional, sombria, diletante do homem que articula meias convicções em tom afetado e pusilânime, buscando, aliás, evitar um simples murmúrio, com receio de se arriscar a ser considerado ridículo.
O espiritualismo popular ou vulgar, que censurais por causa de sua expressão ruidosa e de seu aspecto repulsivo, tem sua utilidade; por sua aspereza mesmo e pelos fatos físicos, penetra nas massas e impressiona pessoas que seriam incapazes de compreender instruções metafísicas.
O exército dos mensageiros espirituais contém ministros apropriados a cada necessidade. Ao materialista endurecido, que só reconhece a matéria, esse agente que lhe mostra os efeitos de uma força invisível superior às leis materiais; à alma vacilante, tímida, que se não inquieta com as vastas esperanças, mas inquieta-se pelos seres amados, desaparecidos e pela sua união com eles, a voz dos agentes é a prova necessária para a convencer, ou trazer-lhe a certeza da união ou das relações afetivas continuadas na vida de além-túmulo; ao homem que prefere os raciocínios e argumentos lógicos, o espírito que demonstra a realidade dos agentes exteriores, que descobre a prova bem palpável e estabelece sobre fatos incontestáveis uma convicção sólida; aos que ultrapassaram o alfabeto espiritual e desejam aproximar-se dos mistérios impenetráveis à vista dos sentidos, os mestres, que podem falar profundas coisas de Deus e revelar mais amplas verdades; a cada um, enfim, o mensageiro e a mensagem que lhe convém.
Uma vez ainda, lembrai-vos de que o espiritualismo não é o que era a comunicação da palavra antiga: uma revelação oficial, externa, baixando da hierarquia espiritual à Humanidade, proclamada como uma revelação, como uma religião e como um meio de salvamento. É tudo isso e é também outra coisa. Para vós e para os que se aproximam do espiritualismo, colocando-se em vosso ponto de vista, é isso; porém, para os fracos, sofredores, desolados e ignorantes, é outra coisa. É a certeza de uma esperança pessoal de reunião, de uma consolação individual e, acima de tudo, de uma aplicação íntima. É, com efeito, para intenções diversas, a ponte atirada no golfo que separa o mundo dos sentidos do mundo dos Espíritos. O grau de desenvolvimento diferente para os desencarnados como para os encarnados é o que explica a variedade das manifestações em espécie e em qualidade, mas muitas vezes a escuma se eleva à superfície e impede-vos de ver.
Não caiais no erro de crer que esses sinais são exclusivos da nossa missão; são inerentes à vossa natureza humana, inseparáveis do que comove profundamente o homem. Eles acompanhavam a missão de Moisés, entre os antigos israelitas; os profetas hebreus tanto quanto ao Cristo. Não são um espécime dos nossos trabalhos, como em vossa história política as divagações de um demagogo excitado não exprimem a opinião política real e influente.
Deveis distinguir; e para aquele que vive no meio de um grande movimento nem sempre é fácil fazê-lo. Sê-lo-á quando, no tempo futuro, lançardes um olhar retrospectivo sobre a luta que presentemente está em ebulição em vosso redor.
Não temos nada mais a responder-vos. Por agora, adeus.
† Imperator
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