11/05/2012 - Sexta-feira
Seção X
(Eu não ficara satisfeito e refletira muito tempo sobre essa comunicação, aliás muito oposta às minhas convicções de então, mas, como tinha certeza de estar escrevendo sob uma influência poderosíssima, desejava ser dela desembaraçado antes de replicar. No dia seguinte, oferecendo-se ocasião oportuna, apresentei os meus argumentos e notei que o credo formulado não podia ser aceito como cristão por nenhum membro da Igreja cristã, pois que, além de estar em contradição com os termos evidentes da Bíblia, podia ele próprio ser rejeitado como uma expressão do Anticristo. Acrescentei que essas idéias vagamente belas – isso o reconhecia eu – tinham uma tendência a suprir o ponto de apoio da fé. Deram-me esta resposta:)
Amigo: com satisfação responderemos à controvérsia que apresentais. Quanto à nossa autoridade, já nos apresentamos, declarando ser divina a nossa missão e esperamos com confiança que aceiteis; é preciso que as almas sejam experimentadas para receberem o nosso ensinamento. Isto virá depois de longa e persistente preparação, não nos surpreendendo o não poder ainda ser aceita facilmente a verdade que promulgamos. Só podemos ser ouvidos por pequeno número de homens mais adiantados em conhecimentos. Foi jamais aceita, à primeira vista, alguma revelação complementar das precedentes?
A pretensiosa ignorância tem-se insurgido sempre contra o progresso, na persuasão de que os seus conhecimentos velhos e antiquados são suficientes; a mesma horda assaltou a Jesus. Os homens que tinham lentamente elaborado a teologia mosaica, reduzindo em massa ritualista informe as instruções do Sinai, gritaram que o blasfemador Jesus destruía a lei e ultrajava a Deus. Os escribas e fariseus, guardas da fé ortodoxa, unânimes em sua incredulidade e irritação contra Ele, lançaram o clamor que conduziu finalmente à cruz o grande Mestre. Sabeis hoje que Ele não insultou a Deus, mas apenas destruiu as interpretações humanas para poder purificar os mandamentos da lei divina, erguê-la da morte, dando-lhe um novo vigor espiritual.
Em vez da interpretação glacial da Lei, prescrevendo a obrigação externa devida a um pai sem misericórdia nem amor, Ele ensinou a filial afeição, oferecendo com abundante ternura um tributo de amor, não comprado, aos pais terrestres e ao Pai Todo-Poderoso. Substituiu o formalismo de uma convenção puramente exterior pela livre oferta do coração. Qual era o mais verdadeiro e o mais sublime credo?
O último esmagou o primeiro? Entretanto, aqueles que se davam por satisfeitos em cumprir o dever filial por meio de algumas simples moedas, desdenhosamente atiradas, foram os que crucificaram o Cristo, sob o pretexto de que Ele tinha ensinado uma religião nova, blasfematória e subversiva, que tendia a destruir a antiga. A cena do calvário foi o coroamento lógico da fé defendida pelos fariseus.
A mesma censura de blasfêmia elevou-se perpetuamente contra os discípulos, quando eles vieram pregar o seu Evangelho a uma sociedade não preparada, que não se importava de recebê-lo. As mais monstruosas acusações foram facilmente levantadas pelos inimigos da nova fé, “por toda parte difamada”. Os discípulos e os primeiros fiéis estavam sem lei, posto que respeitassem rigorosamente o culto e os poderes “que tinham”; devoravam os filhos: os servidores e imitadores do meigo Jesus! Aceitavam-se como verdadeiras as mais odiosas calúnias, como hoje os homens desejam crer em tudo o que pode desacreditar a nossa missão e a nós próprios.
É a história de todos os tempos; as novidades que tocam à religião, à ciência, ao que ocupa o espírito limitado do homem são atacadas com furor. É um atributo essencial da inteligência humana, dominada pelo hábito mental ou material, o que lhe é novo ou estranho alarma a sua indolência e lhe inspira uma suposição desconfiada.
É, pois, sem surpresa que vemos primeiramente a incredulidade fazer oposição ao Cristianismo espiritualizado que ensinamos.
Não é de estranhar que a nossa comunicação contradiga algumas particularidades dos ensinos dados por intermédio de espíritos humanos, mais ou menos desenvolvidos em dias de há muito desaparecidos. Não temos necessidade de repetir que a Bíblia contém páginas que não concordam com o nosso ensinamento, sendo uma mistura de erro humano transmitido pelo espírito dos médiuns escolhidos; podeis somente conseguir isolar a verdade, julgando a tendência geral.
Opiniões particulares, escolhidas sem referência ao corpo de doutrina, são apenas os sentimentos do indivíduo e demonstram a disposição do seu espírito, mas não são artigos de fé. Imaginar que uma convicção enunciada desde tantos séculos possa unificar-se, eternamente, é insensato.
Sem dúvida, era crença corrente, na época em que os escritores compunham os livros do Novo Testamento – a que chamais inspirados – que Jesus era Deus, e repudiava-se violentamente quem quer que o negasse. Sem dúvida creditava-se também que Ele voltaria sobre as nuvens antes que a geração então viva desaparecesse, para julgar o mundo. Os homens enganavam-se em ambos os casos; pelo menos em um deles, pois que já são passados mil e oitocentos anos sem que Jesus tenha voltado para dar sentenças. Poderíamos continuar o argumento se fosse necessário.
A impressão que desejamos produzir em vós é esta: deveis julgar as revelações de Deus de acordo com a luz que vos é dada, geralmente, e não sob o ditado dos escribas; é preciso referirdes-vos ao espírito, à tendência genérica, não à fraseologia literal. Deveis julgar-nos, assim como o nosso ensino, não de conformidade com tal afirmação, feita por tais homens em tal época, mas pelo exame de adaptação do nosso credo às vossas necessidades, ao progresso do vosso espírito e às relações para com Deus.
Que se deve então auferir do nosso ensino? Até onde concorda ele com a sã razão? Qual o ensino que dá de Deus? Como auxilia o vosso espírito? As igrejas ortodoxas vos ensinaram a crer em um Deus que, depois da sua cólera extinta pelo sacrifício de seu Filho, permitiu fosse um pequeno número de almas admitido depois da morte em um céu fabuloso onde, por toda a eternidade, teria por única ocupação cantar louvores com persistência monótona. O resto da raça, incapaz de obter a entrada nesse céu, seria lançada, em punição dos seus pecados, a um inferno, lugar de tormentos indescritíveis e sem-fim! As causas que privariam esses miseráveis da felicidade do paraíso seriam, quanto a uns, a falta de fé, ou a incapacidade intelectual para aceitar certos dogmas; quanto a outros, as quedas depois de violentas tentações, de vidas degradadas, não resgatadas no último momento por um grito de submissão às leis da Igreja, pois se vos ensinou igualmente que o bruto mais sensual e mais criminoso podia no leito mortuário achar-se de repente em estado de comparecer à presença imediata de Deus, contra quem blasfemara durante toda a vida.
Não podemos sem calafrios falar de um tal Deus, no qual a nossa razão não pode pensar. Não nos limitamos a expor a inanidade da pretensão com que se quer fazer desse miserável ídolo muito mais que uma ficção concebida por bárbaros; só pedimos que admireis, conosco, a presunçosa ignorância com que se ousou produzir uma tal caricatura do Deus, Santo dos Santos. O Deus que pregamos é na verdade um Deus de amor, cujos atos não contradizem o seu nome e cujo amor e piedade sem limites são incessantes para com todos; que não tem parcialidade para com ninguém, sendo de uma imutável justiça para com todos. Entre ele e vós estão as classes dos Espíritos, seus agentes, reveladores da sua vontade; por esses mensageiros a comunicação nunca é suspensa. Tal é o nosso Deus manifestado por suas obras e operando por intermédio de seus anjos missionários.
E vós mesmos, quem sois? Almas imortais, que por uma palavra, um grito exprimindo a fé em um ininteligível e monstruoso dogma, podeis comprar um céu de inatividade e evitar um inferno de tormento material? Em verdade, não! Sois Espíritos colocados durante certo tempo em um vestuário de carne, a fim de vos preparardes para uma vida espiritual mais elevada, na qual colhereis o fruto da seara semeada no passado. Não vos espera um fabuloso céu, de torpor eterno, mas sim uma atividade útil, progressiva, que vos ajudará evolutivamente, sempre para mais altas perfeições.
Imutáveis leis governam as ações que produzem os seus próprios efeitos. Os atos inspirados pelo desejo de fazer o bem adiantam a alma, ao passo que o contrário a perverte e atrasa. A felicidade acha-se no progresso e na assimilação gradual com o divino e perfeito. Os Espíritos procuram a felicidade no amor divino e na bênção mútua. Não aspiram à debilitante indolência e não cessam de desejar adiantar-se em conhecimentos. As paixões, as necessidades e os desejos humanos são extintos com o corpo, e o Espírito vive em uma atividade espiritual pura, que o impele sempre ao progresso e ao amor. É isso que é o céu.
Não conhecemos outro inferno senão o que está na alma aflita pelas suas transgressões, acabrunhada de remorsos e angústias, a qual se salvará, combatendo as suas más disposições e cultivando as qualidades que a reconduzirão à estrada do conhecimento de Deus.
O castigo é apenas a conseqüência natural do pecado consciente, sem intervenção divina; remedeia-se isso pela expiação, pelo arrependimento pessoal, suportados com firmeza, sem covardes apelos para obter misericórdia e sem se crer salvo pela condescendência dada a fórmulas que deveriam fazer tremer.
Sabemos que a felicidade está reservada para quantos se esforçam por ter uma vida de acordo com a razão, com a mesma certeza com que a miséria aguarda os que violam cientemente as leis sábias, corporais ou espirituais.
Das sublimes regiões do Além não dizemos nada, porque nada sabemos. Limitamo-nos a repetir-vos que a vida para nós outros, como para vós, é governada por leis, que devem ser descobertas, e que a obediência ou o desprezo que se lhes dá conduzem certamente à paz ou à dor.
É inútil insistir mais sobre o nosso credo, cujas linhas principais já conheceis, e sobre o qual, oportunamente, novas luzes vos serão dadas. Estabelecemos de novo a nossa questão: o ensino que damos não é puro, nobre, divino? Não é o complemento natural do que Jesus pregou? É menos definido, mais vago do que a ortodoxia? Não avulta em particularidades minuciosas e repulsivas; ensina uma religião mais elevada e mais santa; prega um Deus mais divino; atira um véu sobre o desconhecido e recusa substituir a especulação ao conhecimento ou aplicar as mais grosseiras noções humanas à própria essência e aos atributos do Supremo.
Se desanimar com a vã curiosidade e parar diante do incompreensível é ser vago, somos vagos na exposição do nosso saber; mas se o dever do sábio é estudar o que é inteligível, agir antes que especular, então a nossa crença é ditada pela sabedoria e pela razão, inspirada pelo próprio Deus. Ela suportará a prova da experiência racional, durará, inspirará miríades de almas nos séculos futuros, enquanto os que a injuriam e a insultam serão ocupados em reparar dolorosamente as conseqüências da sua insensata cegueira. Ela conduzirá inúmeras multidões de Espíritos puros, que progrediram na fé, à felicidade, ao adiantamento; permanecerá e há de abençoar os seus discípulos, apesar da demência ignara que atribuem os seus divinos preceitos a um demônio e lançam anátema em quem a segue.
† Imperator
Isso me parece belo, racional, e penso mesmo que respondestes à acusação de ser vago; mas cuido que muitas pessoas dirão que subverteis praticamente o Cristianismo popular. Eu quereria que me désseis algumas idéias sobre o fim geral do espiritualismo, no que respeita especialmente aos não desenvolvidos, encarnados ou desencarnados.
Falar-vos-emos disso oportunamente. Refleti sobre o que foi dito, antes de reclamar outras comunicações. Possa o Supremo dar-nos a capacidade de vos guiar com acerto.
† Imperator
Leia na próxima Edição: Seção XI
Nenhum comentário:
Postar um comentário