15/05/2012 - Terça-feira
O Professor Sylvio Passos escrevia e lia aos domingos, ao microfone da Rádio Cultura Rio Branco, a Crônica Semanal Literária.
"Desde 8 de abril de 1951, quando a Rádio Cultura inaugurou suas atividades, a primeira transmissão foi uma crônica do Professor Sylvio Passos, programa que prosseguiu por toda a década de 50, sempre ao meio-dia, ”quando os ponteiros se encontram”, como era anunciado, ouvindo-se primeiramente a música “O Despertar da Montanha” e logo o cumprimento do cronista “Prezados ouvintes, Boa tarde!...”
Em outra Edição divulgaremos a Crônica inaugural daquelas transmissões. Hoje estamos apresentando esta entrevista, por estarmos na Semana dos Museus. E o Museu Municipal tem uma programação iniciada ontem, segunda, e que terminará na próxima sexta-feira.
Pelo simbolismo do Hino da Cidade e pela História e importância dos irmãos Passos, achamos adequada a divulgação desta entrevista hoje.
(Matéria gentilmente cedida pelo Sr. Newton Passos, residente em Brasília, filho do Professor Sylvio Passos)
"Entrevista do Professor Sylvio Passos sobre o seu irmão Lourival Passos, autor da valsa Luar de Rio Branco, o hino da cidade. Esta matéria foi-nos cedida por gentileza do filho do Professor Sylvio Passos, Sr. Newton Passos, residente em Brasília.
"Atendo neste momento a um convite que me foi feito pelas professoras Celi Nolasco Cunha e Eunice Soares da Costa Pereira, dignas docentes do Conservatório Estadual de Música “Theodolindo José Soares” desta cidade.
Pedem-me que eu participe de uma série de entrevistas que estão sendo feitas e transmitidas pela nossa Rádio Cultura Rio Branco, sobre a realização do Festival de Música Popular em Visconde do Rio Branco, no próximo mês de agosto.
Embora afastado, por motivo de saúde, de minhas atividades literárias e radiofônicas, não poderia deixar de atender a esse tão gentil pedido.
Acompanho com o maior interesse todas as realizações que se destinem a valorizar Rio Branco e considero a promoção deste festival uma iniciativa muito simpática, muito louvável e construtiva.
Antes de mais nada, permitam-me o tratamento de maior intimidade com a Professora Eunice, a quem conhecemos todos por Nicinha, o “rouxinol de Rio Branco”, minha particular amiga desde a infância, dotada de uma das vozes mais lindas que a cidade doou às platéias brasileiras.
O tema que a Dona Celi e a Nicinha me propuseram focalizar nesta entrevista é a respeito de meu saudoso irmão Lourival Passos. Agradeço em meu nome e no de toda a família Passos este gesto de atenção à memória de nosso Lourival, que certamente seria um grande incentivador de iniciativas como esta.
Vou, então, responder as perguntas que me foram repassadas.
P: Qual a razão da presença do nome de Lourival Passos nesta série de entrevistas relacionadas ao Festival de Música Popular em Rio Branco?
R: Sendo um certame de música popular, a presença do nome do Lourival está completamente justificada por tudo o que ele realizou nesse tipo de música desde a sua juventude aqui em nossa terra e mesmo depois, quando se ausentou, pela sua ligação com quaisquer manifestações artísticas e musicais ligadas a Rio Branco.
P: Como foi a entrada do Lourival no campo da música ?
R: Desde a infância, Lourival foi um ardente enamorado da música, a princípio, apenas como ouvinte. Depois, ele aprendeu a tocar violão, tendo por mestre nessa arte um exímio violonista dos tempos antigos aqui em Rio Branco, chamado João Lima, xará do nosso caro professor de inglês. Também continuou seu aprendizado com o Fuinha, um dos melhores violonistas da cidade, que sempre o acompanhou posteriormente em suas noitadas de violão quando o Lourival vinha passar uns dias conosco. Outro de seus mestre foi o saudoso João Lage, que foi um extraordinário músico não só no violão, mas também no bombardino.
Mais tarde, o Lourival recebeu uma grande influência em sua atividade musical com o Mário Nasser, um violonista admirável e um grande cantor que esteve aqui em Rio Branco. Nessa época, Lourival aprendeu a cantar tangos e outras músicas em castelhano, língua que ele estudou e passou a dominar principalmente porque tinha verdadeira paixão pelas músicas espanholas e latino-americanas.
P: Lourival Passos era músico apenas “de ouvido”?
R: Sim. Embora tenha freqüentado durante algum tempo a Escola de Música “Francisco Braga”, sob a direção do nosso grande maestro Hostílio Soares, irmão da Nicinha, Lourival estudou apenas um pouco de teoria e solfejo. Devido a problemas advindos com a enfermidade de nosso pai, Lourival, sempre muito independente, começou a trabalhar como ajudante de farmácia ainda um menino. A vida prática não lhe permitia dedicar mais tempo a estudos regulamentares de sua querida música e a outras atividades artísticas de que ele tanto gostava. Mas não ficou apenas como admirador, já que em seu peito de artista e em sua cabeça de poeta as idéias “ferviam”, como ele mesmo dizia. Logo começou a tocar de ouvido e a ensaiar suas primeiras composições e letras muito poéticas e românticas.
P: O Lourival foi mais um artista executante ou criador?
R: Em verdade, o Lourival foi muito mais um artista criador. Não que ele não gostasse de executar as composições de outros artistas pelos quais ele nutria grande admiração. Mas ele tinha uma criatividade excepcional não somente para a música, mas também em outros domínios da arte. Na poesia, desde cedo gostava de fazer trovas, versos, sonetos e poemas, além das letras de suas músicas. Também acontecia de não gostar da letra ou da versão de alguma melodia de outros compositores, e então fazia a sua própria letra, que gostava de mostrar e cantar em serenatas e rodas de amigos. Além disso, Lourival era um desenhista de primeira e um caricaturista de mão cheia, como dizemos. A Zilah tem um baralhinho que é uma peça única de grande valor artístico, feita pelo Lourival, com caricaturas a lápis de cor mesmo, retratando conterrâneos nossos e figuras conhecidas nacionalmente e até internacionalmente. Vale a pena admirar essa obra dele!... Ela guarda também outras relíquias dele, uma pintura a lápis em uma casca de ovo, com uma bela paisagem bucólica. Além disso a Zilah guarda com o maior carinho alguns desenhos dele, feitos em traços ligeiros, para que ela bordasse lençóis toalhas, panos de prato, cortinas e forros para a copa e a cozinha do sítio que o Lourival teve em Lagoa Santa, que era uma de suas paixões também. Imaginem que ele gostava de fazer desenhos e caricaturas até mesmo com a água que ele manipulava pela agulha de injeção. Era muito divertido estar com ele, sempre inventando alguma arte da maneira mais inusitada!...
P: Como o Lourival realizava seus trabalhos artísticos?
R: Como eu falava ainda há pouco, o Lourival era um apaixonado pelas artes. Artista amador, ele não se contentava em apenas repetir o que conhecia e admirava dos outros, queria sempre criar. Observava atentamente os mestres e depois experimentava criar. Possuía, realmente, o dom da inspiração artística. E era também o mais exigente crítico de seus próprios trabalhos. Quando ele chegava com uma novidade para nos mostrar, o que para nós era perfeito para ele ainda tinha muito o que aprimorar.
P: Quais os seus mais importantes trabalhos artísticos além da música?
R: Desde a adolescência, o Lourival foi um dos grandes participantes da imprensa alegre da cidade, ora escrevendo, ora fazendo suas primeiras poesias, e principalmente seus desenhos e caricaturas. Quando a cidade se movimentou, nos idos de 1933, para a produção da revista teatral “É do que há”, de saudosa memória em todos nós, o Lourival dedicou-se a ela de corpo e alma, representando com maestria um dos principais compères da revista, a caricatura viva do Capitão H.O., figura bastante popular na cidade. Lembro-me bem que a Nicinha participou ativamente da revista, personificando a Noite, com sua voz maravilhosa!...
Na poesia cabe citar a publicação, com outros três amigos viajantes, do livro de poesias “Quatro caminhos”. Também é de sua autoria o livro de trovas “Sol de Primavera”, cujo produto das vendas ele doou totalmente para o Hospital do Câncer, de Belo Horizonte, com a finalidade de aquisição de equipamentos modernos, tendo feito esse trabalho em memória da nossa saudosa irmã Renée. Curiosamente, ele foi um dos pacientes que necessitaram usar aqueles equipamentos alguns anos depois. Outro belo livro de sua autoria infelizmente ele não conseguiu terminar. Trata-se da vida de Cristo, totalmente contada em sextilhas, trabalho de rara beleza que ele deixou inconcluído, mas no qual trabalhou até poucos dias antes de falecer.
P: Quais as músicas do Lourival que fizeram mais sucesso?
R: Bem, de suas músicas a que ficou mais conhecida nacionalmente foi o “Tacacá”, um baião com música e letra dele. Essa música surgiu assim: o Lourival apreciava muito o famoso Luiz Gonzaga, conhecido como o “Rei do Baião”, até hoje um dos maiores artistas da música popular brasileira, de quem ficou muito amigo. Um dia o Lourival resolveu cantar para ele a música e a letra que tinha feito e o Luiz Gonzaga ficou entusiasmado, propondo gravá-la com seu grupo, porém exigindo parceria. Como o Lourival não era do ramo, aceitou as condições propostas e o “Tacacá” logo despontou nas paradas musicais e fez o maior sucesso pelo Brasil inteiro. O Interessante é que o Lourival nunca tinha ido a Belém do Pará, mas colhendo dados sobre a cidade, os costumes e regionalismos, fez uma composição musical e literária de grande beleza. Por diversas vezes foi convidado pelas autoridades locais para receber homenagem do povo de Belém, mas nunca pôde realizar aquele sonho. Muitos anos mais tarde, seu filho igualmente músico, Célio Balona Passos, estando em Belém com seu famoso conjunto musical, é que recebeu em nome do Lourival as homenagens a ele devidas. Passado tanto tempo, sempre que qualquer um de nós conhece alguém da região e faz referência à música “Tacacá”, é com prazer que ouvimos os maiores elogios e ao compositor que sem conhecer a cidade soube descrevê-la tão bem.
P: Como se dava a criação das músicas pelo Lourival?
R: Bem, como eu já disse, o Lourival era um músico diletante. Era um ardente cultor da música e fazia suas composições por prazer pessoal e, muitas vezes também, para satisfazer a seus inúmeros amigos. Aliás, esse é um capítulo à parte da vida do Lourival. Sua casa era sempre um burburinho de gente. Não só ele, mas a Maria Balona, sua esposa, e os filhos sempre gostaram de casa cheia e de todo tipo de arte. A gente ia passar uns dias com eles e havia sempre um sarau, uma noitada de violões, de poesias e coisas assim. Seus filhos têm todos um “quê” de artistas, de envolvimento com a vida artística, com as noitadas. O Célio Balona è conhecidíssimo com seu conjunto, e as meninas mais novas estão despontando nos meios musicais de Belo Horizonte, dotadas de lindas vozes.
P: Certamente o senhor agora vai nos dizer algo sobre o nosso famoso “Luar de Rio Branco”, não é mesmo?
R: Claro. Não poderia deixar de lhes contar um pouco da história dessa bela valsa, que nasceu sob a inspiração da nostalgia. Depois de mais conhecida pelos rio-branquenses, foi elevada à condição de canção oficial de Visconde do Rio Branco, por sugestão de grandes amigos e conterrâneos, por decreto das autoridades municipais.
O Lourival foi sempre um sonhador e um apaixonado pela nossa terra. Desde jovem, gostava de passar as noites a tocar violão e a cantar em serenatas e rodas de amigos. Ao igual que os grandes poetas, encantava-lhe o luar, que em nossa cidade proporciona belas noites, admirado em meio a nossos morros e às árvores de nossa praça. Quantas noites de luar, em sua juventude, o Lourival passou a dedilhar o violão, assentado no balaústre de nossa praça!... Quanta inspiração dos primeiros amores, das trocas de confidências com os amigos a respeito daqueles encantadores brotinhos de nossa juventude, hoje todas respeitáveis damas de nossa sociedade, não é mesmo Nicinha? A gente brincava com ele que seu romantismo chegava a tal ponto que conseguia enxergar, em seus sonhos de rio-branquense, distante um “azul Xopotó!...” Só mesmo o nosso saudoso Lourival!...
P: O senhor disse que o Lourival pouco conhecia de notação musical. Como ele se arranjava para colocar no papel suas maravilhosas músicas, para que outros as pudessem tocar?
R: Vocês tocaram em um ponto importante que eu gostaria de comentar. Para resolver esse problema, o Lourival contava sempre com o auxílio de seu grande amigo José Ferreira da Silva – o nosso conhecido “Pasteleiro” – professor do Instituto São Rafael, componente da Orquestra Filarmônica de Belo Horizonte, orquestrador da Rádio Inconfidência, respeitado regente e grande músico na capital mineira. O Maestro Ferreira era um dos grandes amigos do Lourival e foi sempre um grande entusiasta das músicas que ele compunha. Em uma conversa comigo, à época do doença que nos tirou o Lourival, o maestro disse-me que reconhecia em meu irmão uma notável capacidade de inspiração artística, encantava-lhe a maneira como as músicas do Lourival já iam nascendo com as letras, tudo em uma harmonia maravilhosa!... E o Lourival tinha um ouvido sensacional. Quando cantava um compasso para o Pasteleiro escrever, ao ouvi-lo depois ser executado, identificava o menor deslize de sua idéia original. O Maestro dizia que ele tinha que ter se dedicado de corpo e alma à música, que teria feito o maior sucesso.
P: Que outras músicas do Lourival o senhor gostaria de lembrar e, se possível, fazer também seus interessantes comentários?
R: Vamos tentar lembrar, então, de algumas delas:
- “Noite Azul” – valsa bastante apropriada para serenatas, também composta no auge de sua inspiração romântica de jovem... Aliás, devo lhes dizer que o Lourival nunca deixou de ser jovem... Apesar de ter se tornado um executivo do ramo farmacêutico, de todo o seu envolvimento no mundo dos negócios, ele permaneceu a vida toda com seu coração de adolescente sonhador;
- “Maria Luísa” – valsinha que escreveu com temática infantil, inspirado em sua filhinha de mesmo nome, a qual desde pequena demonstrava uma vivacidade incrível e uma voz melodiosa, que hoje vem se tornando bastante conhecida das platéias;
- “Lagoa Santa” – valsa em que descreve todo o seu encanto por uma agradável casa de campo que ele possuía às margens de uma linda lagoa naquela cidade próxima a Belo Horizonte. É para esse sítio, que ele chamava de Rancho Alegre, que ele rascunhava os desenhos para a Zilah aplicar e bordar;
- “Belo Horizonte” – marcha que ele compôs em homenagem ao aniversário da capital mineira, premiada em um certame local , em que ressalta seu encantamento pela cidade, onde ele viveu por muitos anos e onde hoje está enterrado;
- “Maria José, filha de José Maria” – um interessante schotlis de estilo humorístico, feito de encomenda para algumas amigas;
- “Rosas da Guanabara” – marcha em homenagem ao quarto centenário do Rio de Janeiro, com a qual recebeu menção honrosa em um certame da época;
- “Pedra Azul” – música em que descreve aquela cidade, quando a visitou há muitos anos, feita a pedido de amigos;
- “Tudo acabado” – samba-canção. Sobre esta eu nunca soube nenhuma história por ele;
- “ Maceió” – samba-canção de homenagem à capital alagoana, inspirado em uma memorável estadia a convite de amigos. Como sempre, Lourival descrevia em suas músicas inspiradas em lugares que visitava tudo o que via e como sentia a acolhida das pessoas. Nessa de Maceió ele aproveita para brincar com os “bons amigos que choram até” , referindo-se a um amigo alagoano muito emotivo;
- “Guarapari” – marcha que compôs, a pedido das filhas, como despedida de uma deliciosa estação de veraneio que fez pelo litoral capixaba com a família;
- “ “Flor do Paraguai” e “ Índia Guarani” – duas guarânias (músicas de estilo paraguaio), cuja inspiração lhe veio em uma de suas inesquecíveis pescarias por aquelas bandas);
- “Barqueiro do Jequitinhonha” - toada melancólica que, para mim, é uma das mais belas músicas do Lourival. Nela ele descreve o lamento dos barqueiros daquela região de grande pobreza em nosso estado, sua vida triste a transportar dia e noite os passageiros do Rio Jequitinhonha. Lourival voltou de lá muito impressionado com aquele quadro e procurou retratar em seus versos a linguagem rústica que exprime o lamento do barqueiro que trabalha sem descanso, desafiando diariamente a morte, sem esperança de melhores dias, a troco de “um punhado de rapadura e farinha e um ‘mirréis’ de caninha pra se sustentar...”;
- “Papagaios de Papel” - música com acentos poéticos e filosóficos e recordações de nossa meninice, a qual ele dizia que foi inspirada em uma antiga crônica minha;
- “Araguaia” – inspirada em outra de suas memoráveis pescarias com os amigos pelo Rio Araguaia, onde dormiam ao relento, tiveram a oportunidade de visitar aldeias indígenas. Voltou maravilhado também com esse aspecto quase desconhecido do interior do Brasil. Contou-nos, emocionado, as belezas da Praia da Saudade, relatando, com detalhes, como nossos índios usam o arpão e a flecha para pescar, além de inúmeros outros detalhes curiosos, que sua mente detalhista e inquisidora captou. Na música, também de grande beleza, ele fala sobre essas coisas que viu e que lhe deslumbraram.
P: Alguma outra música em especial o senhor gostaria de comentar?
R: Sim. De todas as músicas que o Lourival criou, aquela que, em minha opinião, revelou mais sua vibrante flama artística, foi um poema musical intitulado “Diacuí”.
Esse poema foi inspirado no drama real de uma jovem indígena que, há vários anos, se casou com um sertanista bastante conhecido, que por ela se apaixonou. A noiva indígena veio com ele ao Rio de Janeiro, onde foi mostrada a todos e recebeu muitos presentes, foi fotografada e filmada, tendo se transformada na “coqueluche” da sociedade carioca naquele momento. Sua aparição na então capital brasileira foi projetada como se ela fosse uma nova Cinderela em pleno século XX . Mas o desnível social é um empecilho realmente até para os maiores amores. O triste fim da história é que, tempos depois, Diacuí morreu completamente abandonada nos sertões pelo marido.
Lourival muito se comoveu com aquele drama da índia e, como era muito romântico, transformou a história em um poema musical com belíssimos efeitos artísticos.
P: Creio que ele fez algumas músicas a pedido da Zilah, estou certa?
R: Sim. Certa vez, em uma de suas visitas á casa da Mamãe, Lourival foi assistir à Missa das Crianças, dirigida pela Zilah. Observou que a criançada cantava uma música com um estribilho que dizia:
Avê!... avê!... Avê Maria!... Avê!... avê!... Avê Maria!...
Crítico como ele era, disse à Zilah: Vamos dar um jeito de arranjar uma musica mais alegre e infantil do que esse horroroso estribilho que só fala em avê avê Avê Maria!...
E logo compôs uma cançoneta intitulada “Irmãozinhos de Jesus”, na qual pôs versos mais leves, próprios para a mente infantil . A Zilah ficou encantada e logo ensinou à meninada a nova música para sua missa.
De outra vez, a Zilah lhe encomendou uma música em homenagem à Festa da Assunção de Nossa Senhora, que a Matriz pretendia fazer com muita dedicação. Lourival estava de partida para Belo Horizonte e, ainda no ônibus, foi bolando a música com os versos que escreveu no papel de pão no qual a Mamãe havia enrolado um lanche que ela lhe preparara. Chegou a Belo Horizonte com a música praticamente pronta, faltando apenas alguns retoques.
Mas o mais interessante foi a conversa entre Lourival e o Maestro José Ferreira sobre essa música. Como eles tinham uma grande camaradagem desde a infância, tratavam-se com bastante informalidade. Vou tentar reproduzir o papo entre eles, segundo me contou o maestro tempos depois, no dia do velório do Lourival. Foi mais ou menos assim:
“- Meu amigo Pasteleiro, trouxe-lhe mais uma música que bolei aqui na cachola a pedido da Zilah. Gostaria que você a colocasse na pauta para mim.
- Claro, Louri, um pedido seu com a recomendação da Zilah, para mim não é mais pedido, é ordem!...
- A Zilah me encomendou uma música para ser cantada na nossa Matriz de Rio Branco na festa da Primeira Comunhão, que será justamente no dia em que a Igreja comemora a Assunção da Virgem Maria. Ela quer uma coisa bem marcante e tentei caprichar, mas preciso que você coloque logo na pauta para que eu mande para a Zilah, porque quem vai cantá-la precisa conhecer a música para praticar bastante. Vou cantarolar os versos e a melodia que vim bolando no ônibus ontem e quero a sua opinião e o costumeiro auxílio para escrever na pauta musical.
Gostaria de um compasso lento, com ritmo de balanço de turíbulo. Inspirei-me na nossa Matriz, imaginei o solene momento da Primeira Comunhão, que a Zilah, a Nilva e as demais catequistas preparam com tanto carinho. Pensei naquele bando de meninas com vestes imaculadamente brancas, véus e grinaldas, muitas flores, muita emoção de todos. Bolei os versos e a melodia e tentei imaginá-la na voz da Nicinha Soares ou da Maria do Carmo Costa... Seja franco, meu amigo, me diga se a música está transparecendo minha idéia, se mostra o que eu senti ao criá-la...”
O Maestro foi tocando os acordes da música, de acordo com o cantarolar do Lourival, foi fazendo a notação musical e disse finalmente:
“- É, meu amigo Louri, você é mesmo danado nessa história de compor!... Sua música já tem até cheiro de incenso!... Para usar um termo da moda, pode mandar brasa!...”
E foi o que aconteceu. Em 15 de agosto, exatamente um mês depois do pedido feito pela Zilah, nossa querida Nicinha Soares, aqui presente, emocionou a todos quando entoou, com sua voz maravilhosa, pela primeira vez em público a música “Assunção de Nossa Senhora”, de autoria do Lourival.
P: Esta foi uma das últimas músicas feitas pelo Lourival, não é mesmo?
R: Sim. Logo em seguida ele começou a sentir os primeiros sintomas da moléstia que o acometeu. Mas ainda fez uma alegre marcha em homenagem ao cinqüentenário do nosso Grupo Escolar Dr. Carlos Soares, a pedido da Nair Carneiro. E foi naquela festa que marcou a passagem dos 50 anos do nosso grupo, em 14 de julho de 1965, que o Lourival esteve em Rio Branco pela última vez, já adoentado. Durante o dia, emocionado, cantou sua música “Meu Grupo Cinquentão”, primeiramente no pátio para a criançada de hoje, com verdadeiro orgulho de ex-aluno, e mais tarde em uma agradável reunião comemorativa nos salões do Aeroclube, onde nos brindou com uma palestra retrospectiva de sua trajetória musical. Parece que estava adivinhando que era sua última apresentação para os conterrâneos!..."
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