04/06/2012 - Segunda-feira
(Especial para Jornal Litoral Norte – Torres ,
31 maio 2012)
“É
preciso contrapor os temas morais ao predomínio do econômico. Há uma demanda crescente de respeito por parte dos cidadãos. Estes
aderem a valores não como decorrência automática de serem patrões, empregados,
ricos, pobres, pertencerem a esta ou àquela organização, mas por motivos morais
e culturais.”
( Fernando Henrique Cardoso in “Política e Moral”, 2012)
“Desconfio dos homens de um livro só!” ( Santo Tomaz de
Aquino)
***
A modernidade nos trouxe muitos benefícios materiais
e, sem dúvida, tornou nossa vida não apenas mais longa, aumentando
generalizadamente a esperança de vida, como melhor de ser vivida. Há poucos
anos apenas uma ínfima parcela de uma rarefeita população tinha acesso à
informação, à beleza, ao conforto de eletrodomésticos e veículos
automotores. Hoje, milhões o usufruem. Mas
a modernidade nos trouxe, também, algumas pragas: a destruição da natureza, a perda da inocência da vida comunitária, a
idolatria dos objetos numa sociedade de espetáculos, e o pior: o maquiavelismo, ou seja, um certo
consenso de que se os fins são justos, todos os meios se justificam para
alcançá-lo. Maquiavel foi o autor de uma
obra renascentista – “O Príncipe”- , numa era de fortalecimento dos Reinos
Nacionais, na qual ele dava conselhos sobre como conquistar e fortalecer o Poder. O principal
deles: “Os meios justificam os fins”.
Não vou me
aprofundar sobre essa obra, apenas comentar os malefícios do maquiavelismo.
Essa idéia arraigou-se de tal maneira na vida dos
povos modernos que se tornou um imperativo até da vida pessoal. No Brasil, há
algum tempo, professávamos descaradamente a chamada “Lei de Gerson“ que recomendava
tirar vantagem em qualquer situação. De
tão usada, até em propagandas na televisão, acabou questionada, embora
sorrateiramente praticada por quase todo mundo. Mas o maquiavelismo
invadiu a vida social e sua
manifestações até culturais, contaminando-nos irremediavelmente .
Grande parte dos problemas que assistimos nos dias
atuais em nossa vida religiosa ou
política, tem origem no maquiavelismo.
Vemos uma infinidade de pastores
em inúmeras igrejas se locupletando às custas da “Boa Nova” de Cristo.
Já se fala jocosamente, numa paródia a um programa da Rede Globo: “Pequenas
Igrejas, Grandes Negócios”... E
registramos a existência de número imenso de Políticos e seus respectivos
Partidos que se acreditam portadores de uma missão regeneradora no processo
político, de salvação, não de almas, mas de corpos sociais supostamente
injustiçados pelo sistema econômico, que
acabam se perdendo em práticas vis. O
julgamento do “Mensalão”, uma prática criminosa que levou o Governo Lula a financiar,
com recursos desviados de grandes obras públicas, através de uma Agência de
Publicidade, o apoio de parlamentares venais é um bom exemplo disso. A CPI do Carlinhos Cachoeira, que arrasta à
infâmia um Senador goiano, tido como baluarte da moralidade pública, outro. Na
intimidade da consciência dos envolvidos nesses malfeitos, uma só
justificativa: “Queríamos o bem...”
Um filósofo do século passado, Arthur Koestler,
marxista húngaro desencantado com os rumos do regime no seu país, escreveu uma
vasta obra questionando essa idéia de que há um “bem”e um “ mal” contrapostos
através de doutrinas manipuladoras. Mostrava ele em um de seus livros, “Juno”, que
sempre que isto acontece, alguém se apodera da idéia do bem para
praticar o mal em série, tal como os
serial killers. Acabam matando, em nome do bem, um número infinitamente
maior de pessoas do que os que assumem diretamente a prática do mal. Assim
aconteceu com a Igreja Católica, na cruel Inquisição e nas sangrentas Cruzadas.
Assim aconteceu com regimes totalitários, como o III Reich de Hitler, ou o
comunismo staliniano, em boa hora sepultado
pelos próprios russos, ou sua versão oriental do Kmer Vermelho. Para não falar
dos torturadores e assassinos das ditaduras do Cone Sul... Ainda assim, proliferam doutrinas religiosas
e políticas que insistem na idéia da predestinação de seus seguidores à
salvação da humanidade. Ora, a
humanidade só será salva se for educada para um regime de autonomia e liberdade
sobre seu destino, jamais por doutrinas salvacionistas e líderes messiânicos. Elas constituem um risco à segurança do
planeta. Não obstante, as pessoas se acostumaram com a idéia de participar de
algum grupo, professar alguma doutrina, agir coletivamente de acordo com prescrições
previamente elaboradas. Sentem-se
confortáveis com tal pertencimento, esquecendo-se de que são os valores e não
as teorias belamente estruturadas em fantasiosas doutrinas que nos devem
informar sobre o certo e o errado.
Nesta época de grandes incertezas, mais do ser adepto
de alguma doutrina, quase sempre erigida sobre princípios justificáveis, mas
submetida à viciados processos de institucionalização de verdades, é bom
voltarmos aos valores fundamentais que , desde sempre, fundam o conceito de
justiça e bondade: o rigor com a verdade, o respeito ao próximo, a prática da
liberdade. Como diz Luc Ferry, filósofo
francês contemporâneo, em seu último
livro – “A Revolução do Amor”-, à inevitável ausência de verdades
estabelecidas, como a idéia de Deus e a onipresença das Igrejas e Partidos,
para não falar das Sociedades Secretas do passado, estamos em plena era da religiosa laica, vale
dizer, do Amor.
Mais importante do que ser, por exemplo, doutrinariamente um liberal, é cultuar a
liberdade em todas as suas dimensões. Mais importante do que ser um socialista,
é cultuar o amor à humanidade. Mais importante do que ser religioso, colando
diariamente mensagens religiosas nas redes sociais, é valorizar a virtude como
um valor eminentemente laico, indispensável à vida em sociedade. Mais
importante do que ser um militante obstinado de um Partido, sobretudo popular,
é compreender a diferença essencial do ódio de classe da consciência crítica de
classe e aí redescobrir o sentido da fraternidade que estimulava os primeiros
movimentos da classe operária na Europa, no século XIX, como assinala Victor
Leonardi no seu brilhante livro “Jazz em Jerusalém”.
O princípio e o fim de tudo, enfim, não residem, em
doutrinas, religiões ou Partidos, todos petrificados em instituições obsoletas,
mas no coração de cada ser humano tocado
pela virtude. Aliás, você sabe o que significa ser virtuoso? Afinal, foi o
ideal de virtude que iluminou o conceito de ética, desde Aristóteles, passando
por Cícero, Santo Agostinho, Santo Tomaz de Aquino e Picco della
Mirandolla, até chegar ao iluminismo.
Não será chegada a hora de recuperá-lo?
§ .
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