quarta-feira, 20 de junho de 2012



O espetaculoso faz-de-conta de uma farsa multimarcas ou o marketing da sustentabilidade de fachada

Rio+20 serviu para mostrar seios exuberantes de mulheres exibicionistas e para índio cair no samba

                                                     


"Foi uma discussão genérica. Todo mundo a favor. E o problema está no detalhe".

Dilma Rousseff, presidenta do Brasil, sobre o documento preparado para ser chancelado pelos chefes de Estado do planeta na chamada "Rio+20


Mulheres puseram os peitos de fora e índios caíram no samba lá no Cacique de Ramos. Estas devem ser as lembranças mais relevantes desse evento que mais parece um "Rock in Rio" do verde, um verde que, convenhamos, não tem nada com aquela poética de Garcia Lorca, o "verde que te quero verde".

Tem, sim, do "marketing esmeraldino", uma das referências de maior retorno comercial na agenda da mídia publicitária. Porque os formais e os informais dessa semana multimarcas nada mais fizeram do que vender seus peixes, saídos de congeladores industriais e não dos mares bravios.
Não quero ser o estraga prazer, mas vou logo dizendo: isso que está acontecendo no Rio de Janeiro é uma "zona" que serve para tudo, menos para codificar compromissos de sustentabilidade, eufemismo de bela sonoridade, mas de baixo teor de verdade.

Começa pela confusão generalizada sobre os temas suscitados, uma confluência de boas intenções que vai continuar lotando o inferno: de boas intenções não se faz um cesto, quem dirá um pacto planetário de normas comportamentais.

Diz-se Rio+20 por causa daquele primeiro encontro, em 1992, menos escandaloso, porém, mais caudaloso, considerando que o tema ambiental mal virava moda, como hoje em que todos fazem juras de amor à natureza, mas, por natureza própria, vivem a corroê-la no berço esplêndido do
 faça o que eu digo e não o que faço.

Produziu-se um documento que podia ter sido dispensado e ninguém sentiria falta. Até porque, aliás, essa mania de soltar documentos que dão em nada não difere nem um pouco do tempo dos manifestos, aqueles em que imaginávamos um poder que as palavras não tinham.

A questão do meio ambiente, de fato, vai muito além dessas tratativas que inebriam o mundo diplomático, excitam a mídia, mexem com a consciência adormecida das pessoas, no dia-a-dia focadas por inércia em seus inarredáveis sonhos de consumo,
 porém estão fadadas ao efêmero, tal a volatilidade de suas vértebras de papel.

Não que a gente tenha que produzir
 um corte epistemológico em velhos hábitos e em economias que se sustentam na apropriação insaciável dos bens naturais e na sua destruição deliberada.

Isso não dá. Pau que nasce todo, morre torto, já se dizia lá na Castainha e no Riacho dos Bois, as fazendas de onde meu pai tirava o que a terra desse, quando desse, porque naqueles idos, por aqueles lados cearenses, o mais que se conseguia era fazer rapadura no engenho movido a bois e farinhada, com aquela roda viva pendente dos músculos  do sertanejo, o forte antes de tudo de Euclides da Cunha.

Se é só para mais uma oba-oba, que houvesse mais recato. Pode ser que os donos dos hotéis e dos bares estejam felizes da vida com tamanha freguesia.

Pode ser até que seja isso mesmo: hoje se traz esse mundaréu aos pés do Cristo Redentor, com o fito de repensar o planeta sustentável; amanhã o Papa virá com milhares de jovens católicos. E para culminar, como somos milhões de peladeiros, teremos copas de futebol e jogos olímpicos, tudo que enche nossos olhos pequenos e irriga nossos corações inchados.

Você queria que eu dissesse o quê? Que tudo se constrói tijolo sobre tijolo? É mesmo? Logo nessa cidade em que querem demolir o feio para dar vez ao incerto reluzente?

Eu não.
 Não conte comigo para festejar hipócritas encenações. Noticiou-se que as cidades fizeram seu próprio convescote. Mas não se viu ninguém anunciar providências elementares nas urbes, como a obrigatoriedade da coleta seletiva do lixo e incentivo ao aproveitamento da energia solar e o reaproveitamento das águas da chuva. Ou procedimentos permanentes contra a poluição das lagoas e dos rios.

E não se deu um só grito para reduzir a poluição sonora, ante o avanço audacioso da indústria dos espetáculos barulhentos. Se você morar de cara para o que seria a "terra encantada" da Barra da Tijuca será privado do direito ao sono, o mais antigo dos direitos humanos, porque a falência da projetada "Disney carioca" deu num inferninho a céu aberto de mil decibéis, sustentado por injustificável liminar judicial e pela conivência de autoridades acovardadas.

Essas coisitas que não dependem de fundos onerosos não existem por que a razão econômica das cidades apóia-se na indústria do estresse e no comércio da paranóia.

Querer abolir esses pilares do arcabouço pecuniário é mexer em vespeiro. Daí ser mais charmoso o discurso da camada de ozônio, do dióxido de carbono e demais macro-monstros que fazem profissionais das ONGs ecológicas repetirem ladainhas, como tratam a bula os propagandistas de remédios, isto num decoreba enfadonho para boi dormir.

Sinceramente, em que é que esse espetáculo multicor lhe tocou o cérebro eletrocutado por microondas digitais? Fala sério, ao menos uma vez. Ponha a mão na consciência e se ponha diante do espelho. O que você já imaginou para preservar o planeta além das alquimias vendidas por bem falantes mercadores?
Como ficou cristalino, o mar não está para peixe, mesmo. Tudo o que se disse e se dirá nesse concílio ecumênico de posudos chefes de estado e deslumbrados séquitos serão ondas de uma preamar efêmera.

Acabou o ritual, índios, caras pálidas e mulheres de belos seios, mesmo os de silicone, voltarão ao vazio de uma existência acrítica, ou, quando o mais, movida ao alvedrio dos novelões, dos bigs brothers, dos galvões, dos faustões e dos hucks que bombam nas telinhas e no twitter, esse manipulador de 140 caracteres que dimensiona o cérebro humano na modernidade borbulhante do quase nada.
Mais do que isso é sonhar o sonho impossível do hoje desconhecido Dom Quixote de la Mancha. É viajar na maionese das perdidas ilusões que se converteram no grande achado de um sistema de valores mínimos, de idéias descartáveis e de maus hábitos, subordinados à mediocridade republicana que consagra a incoerência, a mistificação, o esquece o ontem e a inconsistência como deusas da vitória a qualquer preço.

Não há maior sinal de tudo isso que escrevi do que a ausência absoluta de iniciativas consistentes em cada paróquia, em cada bairro, em cada condomínio, em cada convívio, mesmo nos mais promissores ambientes, como na Península da Barra, onde a exuberância do verde quebra a monotonia do concreto, mas não semeia nada além do cartão postal.

A única coisa a consolar-me nessa prosopopéia é a certeza inabalável de que um dia a casa cai. E na cabeça de quem menos espera.

Permitida a reprodução, desde que preservada sua autoria

Nenhum comentário:

Postar um comentário