George Soros é
presidente do Soros Fund Management e presidente
do Open Society Institute. Um
pioneiro da indústria de fundos de hedge, ele é o autor de muitos livros, incluindo A alquimia da Finanança
O Império Acidental
NOVA IORQUE
– É agora evidente que a principal causa da crise do euro reside na renúncia do
direito de emitir moeda por parte dos estados-membros, a favor do Banco Central
Europeu. Os estados-membros não compreenderam tudo o que essa renúncia
implicava – e as autoridades Europeias também não o compreenderam.
Ilustração
por Chris Van Es
Quando
o euro foi introduzido, os reguladores permitiram que os bancos comprassem
quantidades ilimitadas de obrigações de dívida pública sem constituir quaisquer
reservas de capitais próprios, e o BCE garantiu todas as obrigações de dívida
pública da zona euro em condições equivalentes. Os bancos comerciais
encontraram vantagens na acumulação de obrigações dos países mais fracos para
auferir mais alguns pontos base, o que causou uma convergência de taxas de juro
por toda a zona euro. A Alemanha, lutando com o fardo da reunificação,
empreendeu reformas estruturais e tornou-se mais competitiva. Outros países
aproveitaram fortes expansões na habitação e no consumo sustentadas por crédito
barato, tornando-os menos competitivos.
Depois
veio a crise de 2008. Os governos tiveram que resgatar os seus bancos. Alguns
deles viram-se na posição de um país em desenvolvimento que se endividara
pesadamente numa divisa que não controlava. Reflectindo a divergência no
desempenho económico, a Europa tornou-se dividida entre países credores e
devedores.
Quando
os mercados financeiros descobriram que obrigações soberanas supostamente livres
de risco poderiam ser forçadas a um incumprimento, aumentaram dramaticamente os
prémios de risco. Isto tornou potencialmente insolventes os bancos comerciais,
cujos balanços continham grandes quantidades de obrigações deste tipo, dando
origem à simultânea crise Europeia da dívida soberana e da banca.
A
zona euro está agora a imitar o modo como o sistema financeiro global lidou com
essas crises em 1982 e novamente em 1997. Em ambos os casos, as autoridades
internacionais infligiram sofrimentos na periferia de modo a proteger o centro;
agora a Alemanha está a desempenhar inadvertidamente o mesmo papel.
Os
detalhes diferem, mas a ideia é a mesma: os credores estão a transferir o fardo
inteiro do ajustamento aos devedores, enquanto o “centro” evita a sua própria
responsabilidade pelos desequilíbrios. Interessantemente, os termos “centro” e
“periferia” entraram em uso de um modo quase desapercebido. Contudo, na crise
do euro, a responsabilidade do centro é ainda maior do que era em 1982 ou 1997:
o centro desenhou um sistema monetário defeituoso e falhou na correcção dos
defeitos. Nos anos 1980, a América Latina sofreu uma década perdida; um destino
similar espera a Europa.
No
início da crise, uma desagregação do euro era inconcebível: os activos e
responsabilidades denominados numa moeda comum estavam tão interligados que uma
desagregação teria levado a um colapso incontrolável. Mas, à medida que a crise
progrediu, o sistema financeiro tem-se reordenado cada vez mais ao longo das
linhas nacionais. Esta tendência ganhou ímpeto em meses recentes. A operação de
refinanciamento de longo prazo do BCE permitiu aos bancos Espanhóis e Italianos
comprar as obrigações dos seus próprios países e beneficiar do diferencial de taxas.
Simultaneamente, os bancos preferiram eliminar activos fora das suas fronteiras
nacionais, e os gestores de risco tentaram equilibrar activos e
responsabilidades internamente, em vez de no seio da zona euro como um todo.
Se
isto continuasse por alguns anos, uma desagregação do euro seria possível sem
um colapso, mas deixaria os países credores com grandes direitos sobre os
países devedores, que seriam difíceis de cobrar. Para além das transferências e
garantias intergovernamentais, os direitos do Bundesbank sobre os bancos
centrais dos países periféricos no âmbito do sistema de compensação Target2
totalizavam 644 mil milhões de euros (804 mil milhões de dólares) a 30 de
Abril, e o montante está a crescer exponencialmente, devido à fuga de capitais.
Portanto,
a crise continua a crescer. As tensões nos mercados financeiros atingiram novos
máximos. Mais revelador é que o Reino Unido, que reteve o controlo da sua
divisa, goza das remunerações de dívida mais baixas da sua história, enquanto o
prémio de risco sobre as obrigações Espanholas está num novo máximo.
A
economia real da zona euro está a decair, enquanto a Alemanha está a florescer.
Isto significa que a divergência está a aumentar. As dinâmicas políticas e
sociais também estão a contribuir para a desintegração. A opinião pública, como
ficou expresso em recentes resultados eleitorais, está cada vez mais oposta à
austeridade, e é provável que esta tendência continue até que a política seja
revertida. Algo terá que ceder.
Na
minha opinião, as autoridades têm uma janela de três meses durante a qual ainda
conseguirão corrigir os seus erros e reverter as tendências actuais. Isso
requererá medidas políticas extraordinárias para levar as condições mais perto
do normal, e que deverão respeitar os tratados existentes, que poderiam então
ser revistos numa atmosfera mais calma para prevenir a recorrência de
desequilíbrios.
É
difícil, mas não impossível, identificar algumas medidas extraordinárias que
cumprissem estes duros requisitos. Teriam que atacar os problemas da banca e da
dívida soberana simultaneamente, sem negligenciar a redução das divergências de
competitividade.
A
zona euro precisa de uma união bancária: um esquema Europeu de seguros de
depósitos para refrear a fuga de capitais, uma fonte Europeia para financiar a
recapitalização bancária, e supervisão e regulação por toda a zona euro. Os
países altamente endividados precisam de alívio dos seus custos de financiamento.
Há vários modos de o fornecer, mas todos requerem o suporte activo da Alemanha.
É aí
que está o bloqueio. As autoridades Alemãs estão a trabalhar febrilmente para
encontrar um conjunto de propostas a tempo da cimeira da União Europeia no fim
de Junho, mas todos os sinais sugerem que só oferecerão o mínimo em que todas
as partes podem concordar – implicando, mais uma vez, apenas alívio temporário.
Mas
estamos num ponto de inflexão. A crise Grega é susceptível de atingir um clímax
no outono, mesmo se a eleição produzir um governo que esteja disposto a respeitar
o actual acordo entre a Grécia e os seus credores. Nessa altura, a economia
Alemã também estará a enfraquecer, e a Chanceler Angela Merkel achará ainda
mais difícil que hoje persuadir o público Alemão a aceitar responsabilidades
Europeias adicionais.
Excluindo
um acidente como a bancarrota do Lehman Brothers, a Alemanha fará provavelmente
o suficiente para manter o euro unido, mas a UE tornar-se-á algo de muito
diferente da sociedade aberta que uma vez incendiou a imaginação do povo. A
divisão entre países devedores e credores tornar-se-á permanente, com a
Alemanha a dominar e a periferia a tornar-se uma região secundária e deprimida.
Isto
aumentará inevitavelmente a suspeita sobre o papel da Alemanha na Europa – mas
qualquer comparação com o passado da Alemanha é deveras inadequada. A situação actual
é devida não a um plano deliberado, mas à falta de um plano. É uma tragédia de
erros políticos. A Alemanha é uma democracia funcional com uma maioria
esmagadora a favor de uma sociedade aberta. Quando o povo Alemão se aperceber
das consequências – espera-se que não tarde demais – quererá corrigir os
defeitos no desenho do euro.
É
evidente o que faz falta: uma autoridade fiscal Europeia que seja capaz e
disposta a reduzir o fardo da dívida na periferia, bem como uma união bancária.
O alívio da dívida pode tomar várias formas para além das Eurobonds, e seria
restrito aos devedores respeitadores do pacto orçamental. Retirar todo ou parte
do alívio em caso de incumprimento seria uma protecção poderosa contra os
riscos morais. Cabe à Alemanha assumir as responsabilidades de liderança que o
seu próprio sucesso lhe acarretou.
Traduzido
do inglês por António Chagas
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